"Ando devagar/porque já tive pressa..."

"Ando devagar/porque já tive pressa..."
"Nessa loooonga estraaaaada da viiidaaa..."

Blog destinado a narrar as vivências do autor, através de suas opiniões sobre fatos vividos, e de marcações cronológicas, objetivando deixar para descendentes e amigos suas impressões sobre passagens de sua vida, abrangendo pessoas com sd quais se relacionou e instituições em que laborou, tudo com a visão particular, própria de todo ser humano, individualizada, pois cada pessoa tem sua forma de pensar, ser e viver. Madeira

quinta-feira, 29 de maio de 2008

vivencias-madeira-cronológica (1975)



1975: Fortaleza, trabalho, estudo, família amada e unida, com visitas de meus pais e os de Terezinha, férias no Rio, idas ao exterior (uma de Terezinha e as principais primeiras-damas à França e à Inglaterra, oferta grátis de uma grande agência de turismo local, e outra de nós dois no vôo inaugural da TAP, Fortaleza x Lisboa). Tudo muito normal para os padrões nordestinos de vips, além de duas viagens à Amazônia, cruzeiros marítimos em um navio brasileiro que então fazia, durante todo o ano, viagens pela costa brasileira, o Ana Nery (havia outro, o Rosa da Fonseca, seu irmão gêmeo). Foram viagens magnifícas, quando conhecemos Belém do Pará, Parintins, os estreitos do rio Amazonas - onde por seis horas o navio passava devagar, com árvores batendo em alguns momentos em sua lateral - e Manaus, então no auge da zona franca (Terezinha se acabou lá, tanto que em uma das viagens quase perdeu o navio por conta das compras - minhas filhas tem bem a quem sair). Em uma das vindas ao Rio tive também a oportunidade de viajar dentro da cabine com os pilotos da Transbrasil, em um BAC-ELEVEN, por pedido do gerente regional da mesma, para que eu soubesse como era. Foi sensacional: sentei no local onde antigamente vinha o engenheiro de vôo ou similar, atrás do comandante, em um tipo de cockpit, e vi o que eram uma decolagem e uma aterrissagem. Aliás, a de Recife é a mais bela chegada, pois é sobre um mar límpido, transparente. Também em Fortaleza tive a oportunidade de ir pela primeira vez a Fernando de Noronha, em avião de combate da FAB, numa inspeção do comandante da base aérea de Fortaleza. Foi lindo e inesquecível. Para ser melhor ainda minha estada lá, e também a convite desse coronel-comandante, fiz um vôo de treinamento de combate em um AMX, avião tipo Mirage, da base de Fortaleza, fruto de um consórcio franco-israelense. Não é mole não. Vesti a farda de piloto, que tem todo um interior forrado - que inclui elásticos que apertam as pernas e os braços quando do mergulho do avião, para impedir desmaios pelo forte afluxo ou defluxo de sangue para o cérebro (ao partir para o ataque) - e mandei brasa. Havia lugares determinados para vomitar, fazer xixi e beber água. Fui atrás do piloto, e se tratava de um treinamento de ataque com metralhadoras e bombas. Não sei o que foi mais difícil e forte: no de bombardeio, o piloto tem de fazer o avião mergulhar e arremeter rápido, violentamente, para fugir dos tiros de terra e dos deslocamentos de ar das explosões das bombas; no de tiros, são menores a aceleração e a subida, já que não há o deslocamento de ar das explosões. Os braços e pernas são fortemente apertados nas acelerações, prendendo bastante o sangue e fazendo-o fluir bem devagar. Na volta para a capital (o campo de treinamento ficava no interior do estado) fui brindado com um vôo de cabeça para baixo (esquisitíssimo). Não fui trabalhar na tarde deste dia por estar totalmente mareado (nem almoçar consegui direito). Travessia do Atlântico por mar e ar, submarino no CPOR, tanque de guerra no BIB, teco-teco no Maranhão, avião de combate no Ceará, helicóptero no ES - acho que já fiz mesmo de tudo. Madeira

vivencias-madeira-cronológica (1974/2)



1974: novo ciclo, agora cearense. Fortaleza deslumbrante, com engarrafamentos de madrugada na avenida Beira-Mar, povo alegre - também bairrista, mas ao mesmo tempo cosmopolita e de muito dinheiro -, sede de grandes empreendimentos e fortunas fabulosas. De novo lá vou eu, agora comandando cerca de quinhentos funcionários (o DPF tinha feito concursos e admitido muitos agentes e delegados), com um trabalho bem diferenciado do anterior. Agora tinha de andar de carro de representação, ir ao palácio do governo com freqüência (o fortalezense é festeiro), participar de reuniões com generais, trabalhar com a agência local do SNI, com a Marinha, a Aeronáutica e pregando uma forte descentralização administrativa. Treinei os delegados, em especial os coordenadores de área, e coloquei a SR para rodar à minha maneira: imparcial, rápida, firme e educada, sem muitos papos com a imprensa. Logo vieram os frutos e também veio a inveja, a raiva, a fofoca (até que demorou, talvez por no Paraná eu ser apenas mais um delegado - e novato -, e no Maranhão por ser este um estado inexpressivo), agora diferentes, pois nas reuniões em Brasília, na sede, alguns delegados mais antigos e até da minha turma (a segunda de formação) já mostravam os dentes e me criticavam. Alguns achavam que eu dava muito valor aos subordinados, orientando-os inclusive a estudar (diziam que eu queria que todo mundo fosse delegado), que com eles jogava futebol etc etc etc. Ainda bem que era tudo quanto ao meu lado humano, nunca nada profissional, de desonestidade ou incompetência. Palestras na ADESG, na assembléia legislativa e na câmara de vereadores (sobre o DPF) - com os posteriores títulos de cidadão cearense e fortalezense - acabaram por ser, mais adiante, as gotas d´àgua para a minha desilusão com a polícia federal, ou melhor, com os seus homens. Junte-se a isso o início da desmontagem da Revolução, com a assunção no DPF de um coronel da reserva do EB; logo nós, que sempre fomos comandados por um general da ativa. Família muito bem, em uma cidade maravilhosa, crianças em colégio excelente, passeios pelas praias próximas (muito boas), time de futsal de alto nível, domingos vendo jogos no Castelão e eu, como estava só administrando, resovi cursar a faculdade de administração, que terminaria lá na frente no CEUB, em Brasília (este já seria o quarto diploma de nível superior - graduação em direito, doutorado em direito público, graduação em história, com magistério). Enfim, época que se iniciava (fora os aborrecimentos internos no DPF) muito boa, de muita alegria e felicidade familiar. Madeira

vivencias-madeira-cronológica (1974/1)


Pé na estrada


1974: sem que eu pudesse antevê-la, uma nova etapa se instalaria em nosso viver. Já bem maranhense, com títulos de cidadão do estado e ludovicense (da capital), ambos por indicação de parlamentares do MDB (oposição, portanto) e no auge da Revolução, fui no meio da ano indicado para uma superintendência maior, de uma cidade mais importante, sede de comando de Região Militar, em virtude da boa administração feita na SR/MA. De fato, ao assumir o Maranhão encontrei algum descrédito com a federal, reforçado este por eu não ser maranhense (são bem bairristas), pois meus antecessores todos eram lá nascidos. Junto a isso, nas estatísticas mensais a SR/MA era a penúltima em produção, fato ocasionado tanto pelas dificuldades de efetivo (muito pequeno e cansado) quanto pela leniência de seus habitantes. Em cerca de dois anos de trabalho motivei o pessoal (muito papo, esporte, política de recompensas - licença para verem a família em troca de produção -, acompanhamento diário das atividades, policiamento às noites e em fins de semana - até hoje não entendo porque nesses dias e horas, quando é mais intensa a criminalidade, os policiais são diminuídos em efetivo), e fui também para a linha de frente, presidindo inquéritos e lavrando flagrantes. Resultado: a SR/MA saiu do penúltimo lugar em produtividade (quantidade de inquéritos e de apreensões) para o sétimo, o que causou um grande rebuliço na sede do DPF em Brasília. O preço foi alto, com muito abandono da família e desagrado de políticos locais como os donos do Maranhão, os Sarney, que anteriormente mandavam e desmandavam em todas as áreas. Minha sorte é que havia um governo central forte que não precisava barganhar votos e apoios, e que me apoiou mesmo quando eu ia contra ele, como quando recebi dois casais presos em Pindaré-Mirim, área rural do Maranhão: estavam montando uma guerrilha rural e os tratei com decência e dignidade, colocando-os juntos, casal com casal, nas duas celas que tínhamos, que eram uma para homens e outra para mulheres, comprando roupa de cama, colchões e dando um tratamento humano aos mesmos. Por minha equidistância no tratamento das causas e ocorrências que chegavam à SR é que fui homenageado pelo MDB e não pela ARENA, o que causou estranheza a muita gente: um homem da Revolução apoiado pela oposição. Então veio a surpresa do convite para mudar de comando, o que, além de nova missão, era vantajoso profissional e familiarmente, pois Fortaleza já era a cidade, principalmente em uma comparação com São Luís. Madeira

quarta-feira, 28 de maio de 2008

vivencias-madeira-cronológica (1973)


Militares no Araguaia, 1972


1973: a vida seguia normalmente, no ritmo acelerado de sempre, que na verdade eu buscava imprimir a ela, dentro dos meus princípios de procurar fazer tudo certo e rápido e de aprender e desenvolver-me ao máximo nesta encarnação. Muito trabalho, e muita família em todos os momentos de folga. Viagens durante a semana, quando na presidência de inquéritos, com isto conhecendo todo o interior do Maranhão, muito pobre, porém tranquilo, com todo mundo formando um grande corpo familiar. O maranhense de início é desconfiado, mas depois de te conhecer entrega-se de corpo e alma. Tipo caboclo e altamente religioso, mas muito chegado a uma forte macumba. Terreiros espalham-se por São Luís, e do tipo de batuques, danças, cânticos africanos. Tambor de mina e tambor de crioula são duas marcas da cultura religiosa maranhense neste campo. À região da denominada Baixada Maranhense, cerca de quinze municípios, só se chegava então de avião teco-teco, pousando em campos improvisados, e com isso andei muito batendo asas por essa área do estado. Por terra conheci Imperatriz, Bacabal, Pindaré-Mirim, Viana...; enfim, tudo. Muito futebol, muita praia, visitas de meus pais e de Dona Hilda, um 73 tranquilo. Em contrapartida, face ao cargo ocupado, passei a fazer parte do CONDI-IV Exército, com sede em Recife/PE, e voltei a saber como andavam as ações terroristas/subversivas contra a ordem estabelecida, que estava levando o país a um desenvolvimento inédito. Os documentos e fotos apresentados e explicados eram assustadores pela covardia dos atentados, sempre contra pessoas que nada tinham com aqueles que agiam, ou seja, contra os membros do governo, de sua cúpula. Só atacavam pelas costas, à traição, pessoas que não tinham nada com o governo, que eram pacíficas. Xambioá era o principal assunto das reuniões mensais, e a realidade é que a população local toda era contra os guerrilheiros (por sua violência), e abastecia as forças da lei de dados sobre os passos dos militantes da esquerda armada. Também ocorreu a deserção do Carlos Lamarca, sujeito que desonrou a farda que vestia, os juramentos feitos, utilizando os conhecimentos adquiridos contra quem lhe havia ensinado a usá-los em defesa da pátria. Traidor e covarde, pois se não concordava com a ordem vigente deveria pedir baixa e partir para a luta, e não roubar o quartel em que servia e matar colegas de farda. Provocaram, buscaram o caminho da violência - e só podiam receber uma forte repressão. Madeira

terça-feira, 27 de maio de 2008

vivencias-madeira-cronológica (1972/2)


Em São Luís do Maranhão, cuidado e firmeza para não escorregar nas pedras


1972: após a chegada estrelada no Maranhão, com grande apreensão de drogas, comecei a conhecer os maranhenses e fui saber porque tinha ocorrido a saída do superintendente anterior, e quem era cada um dos subordinados e das autoridades locais. Isto foi feito através de leitura de fichas funcionais, de dossiês existentes na nossa área de informações e de contatos com o SNI, agência de Fortaleza (não existia agência em São Luís). Foi muito pesado, mas encorajador: teria muito trabalho, enfrentaria os poderosos, haveria muita briga, conquistaria os bons e foderia só os vagabundos. Bom, o comandante anterior da PF por lá tinha sido afastado a pedido da igreja católica local, por ter (segundo ela) torturado dois padres estrangeiros subversivos que estavam pregando a luta armada na zona rural maranhense (uma vez confirmado o fato, foram expulsos do Brasil). Isto valeu-me a primeira briga local. Com menos de um mês como chefe da PF fui convidado para uma reunião na sede da CNBB/MA (conferência nacional dos bispos do Brasil), a qual compareci, inocentemente julgando que seria para um reencontro, para a formação de um novo elo Igreja/DPF. Lá chegando deparei-me com cerca de doze bispos sentados, com as cadeiras em forma de U e a destinada a mim na parte aberta do semi-círculo. Sentí-me na inquisição, mas guerra é guerra e aprendi a não ter medo na vida, pois o pior que pode acontecer é a morte, que na realidade é nova e melhor existência. O líder deles era dom Hélio Campos, denominado o bispo vermelho por suas declarações comunistas (ele pregava que Deus não colocou cercas nas terras, então todas deveriam ser derrubadas pelos camponeses para a sua ocupação). A primeira pergunta, sem maiores protocolos, foi se a PF era uma corporação de torturadores, de assassinos. De imediato perguntei a eles se a Igreja era uma corporação de pedófilos e homossexuais - isto para mostrar-lhes que toda organização tem gente que erra -, e eles viraram o bicho (aliás, as bichas, pois o próprio arcebispo do Maranhão era uma bichona); o diálogo ficara impossível. Daí virei as costas e fui embora. Como sempre, meu pavio meio curto botou pra quebrar. Descobri logo que o que queriam no Maranhão era a autoridade como a que eles tinham lá, ou seja, baseada no pior tipo de corrupção que existe, que é a afetiva, a de quebrar o galho dos conhecidos e dos conhecidos dos conhecidos, tudo chefiado pela família Sarney. Bem, resolvi - e só podia ser assim pela minha educação e pela formação que tive - que cumpriria a lei, e com muito cuidado para não ser traído. Foi um resto de ano difícil, só de trabalho, indo a uma ou outra cerimônia para representar o DPF, e até mesmo acordando e encontrando na porta de saída de casa (dentro, portanto, do terreno) despachos de macumba bem feios. Eu tratava de pulá-los, e então mandava limpar e jogar tudo no lixo, sem comentários. Mas São Luís (mesmo com muitos pobres, com dificuldade de tudo e com muita sujeira) tinha coisas agradáveis como a praia, o clima e a tranquilidade, pois o maranhense é como o baiano, calmo e devagar. Montei o time de futsal da SR (consegui alguns mais novos, que eram contratados da estação-rádio e dos serviços auxiliares) e as coisas começaram a ficar gostosas. Madeira

vivencias-madeira-cronológica (1972/1)



1972: vida de profissional, ainda mais federal, é feita de mudanças inesperadas, e em junho deste ano veio um novo ciclo, com mudança de estado. O meu trabalho no combate às drogas repercutiu em Brasília, na cúpula do DPF, e fui escolhido, entre cerca de vinte delegados, para fazer um concurso público interno para assessor de planejamento e controle da direção geral. Feito, acho que pela única vez na vida, fui classificado em primeiro lugar e recebi a ordem de aguardar novas instruções. Fiquei bastante desiludido, pois o que eu mais queria era continuar na linha de frente, não ir para um gabinete com ar refrigerado, de terno e gravata. Mas, felizmente, antes de que isto ocorresse, surgiu uma nova oportunidade de promoção com a vacância do cargo de superintendente regional (dirigente máximo - administrativo e policial - da PF em um estado) no Maranhão. A mudança seria radical (e foi) em termos de cidade, de vida familiar (educação e saúde, entre outros), de distância de nossa cidade natal (Rio, pois de Curitiba, em nove horas de ônibus, estávamos lá), mas era promoção, novas e muito maiores responsabilidades (o que me atraía muito) e a chance de fazer rodar todas as atribuições da PF à minha maneira, além de não ficar burocratizado, teórico. Aceitei, e em junho saímos de um frio de zero grau (no dia do embarque, no aeroporto de São José dos Pinhais) para um calor gostoso de vinte e cinco graus em São Luís do Maranhão. Sem mobília, o chefe da comunicação social da SR/MA arranjou um sítio na estrada que liga São Luís à São José do Ribamar, já mobiliado, e lá residimos por cerca de quinze dias, todos nós (eu, Tê, crianças e Hilda). Posse concorrida, pois à época o superintendente da PF era a segunda autoridade do executivo federal no estado, abaixo apenas do comandante da unidade do exército (na aeronáutica e na marinha os chefes eram sargentos ou sub-oficiais), identifiquei rapidamente - até por não gostar - os riscos das babações, dos puxa-sacos e, principalmente, da imprensa sensacionalista. Para completar, por pura sorte, no dia seguinte à posse, primeiro dia de trabalho, mandei averiguar uma carta anônima, manuscrita, que dizia que em um navio cargueiro que tinha chegado havia uma grande quantidade de droga em um dos compartimentos, que deveria estar cheio de água (lastro), e apreendemos a maior quantidade de drogas ocorrida no Nordeste. Foi manchete nacional e tome de imprensa na nossa sede. Tratei de mandar o chefe da comunicação atender os repórteres. Foi um resto de ano de muito trabalho, pois o efetivo era reduzidíssimo e de policiais optantes da polícia carioca, velhos, cansados e/ou com família no Rio, sozinhos e aí amasiados, ou de contínuas licenças médicas para ficarem em sua cidade de origem. Delegado havia apenas um, licenciado, o dr. Laís Loureiro Alves, que tinha brigado com o chefe anterior e estava no Rio de licença. Laís era da minha turma e fonei para ele, chamando-o para voltar e vir trabalhar comigo; ficamos nós dois, as únicas autoridades policiais federais no Maranhão. O jeito era eu administrar e também ser delegado, presidindo inquéritos e flagrantes. E assim o fiz, com trabalho adoidado e muito êxito. Alugado um bangalô (como eram chamadas as casas com quintal) próximo à superintendência, na rua Oswaldo Cruz 1828, denominada pelo povo de Rua Grande (por ser muito comprida), mobiliário recebido, crianças matriculadas no colégio Becassine (São Luís tem muito de sua cultura baseada na história do domínio francês), viramos maranhenses, com muita praia (principalmente Araçagi) nos feriados e finais de semana. Madeira

segunda-feira, 26 de maio de 2008

vivencias-madeira-cronológica (1971/2)



1971: vida tranquila em Curitiba. Muito frio, muito trabalho, viagens constantes pelo interior do Paraná em diligências, combatendo o tráfico de drogas e de mulheres (as primeiras vinham do Paraguai, e as segundas eram levadas por lá ou pelo porto de Paranaguá, ou ainda de ônibus para São Paulo). Descoberta de um estado rico, de gente trabalhadora de variadas origens, a maioria alemã. Mas tínhamos, por exemplo, a cidade de Assaí, totalmente de colonização japonesa. Havia colônias, bem no fim de alguns municípios, onde os moradores só falavam a língua (ou o dialeto) da terra natal, aprendida com os primeiros imigrantes, como a colônia Adelaide, onde só falavam um dialeto alemão e alimentavam-se e bebiam tudo da forma feita no país de origem. Povo trabalhador que forjou um estado maravilhoso, organizado, próspero e do qual muitos saíram para fazer a pujança de estados próximos, como o Mato Grosso do Sul e Rondônia. Conheci locais de beleza e riqueza ímpares como Foz do Iguaçu e Guaíra (aquela antes de ser inundada pelas águas da barragem de Itaipu), Ponta Grossa (os homens que lá nascem são impedidos de casar com as mulheres nascidas em outra cidadezinha paranaense, Curralinho) e cidades históricas como Lapa e Antonina, além de praias razoáveis como Caiobá e Matinhos. Não se falava (da) nem se acessava a Ilha do Mel, hoje famosa. No trabalho, além das viagens e de flagrantes continuados de tóxicos, as palestras nos colégios eram, sempre que eu estava em Curitiba, uma constante, mostrando aos jovens os riscos da utilização das drogas. A ADESG (associação dos diplomados da Escola Superior de Guerra) também me levou para ser palestrante sobre este assunto e sobre as fronteiras do estado com o Paraguai, no que eu já estava um expert. Terezinha e as crianças muito bem, apenas com muito frio, mas com bastante visita de parentes e amigos do Rio (este é o problema de morar perto do lugar de nascimento...). As peladas firmes, no time da superintendência (futsal) e no time do bairro, o Brasinha F.C. (campo). Neste ano tivemos a primeira grande perda, no sentido de companhia corpórea: Seu José, pai de Terezinha, faleceu após alguns anos de luta contra o câncer. Como já era meio esperado e foi para não vê-lo sofrer muito, foi rapidamente assimilado. Madeira

sexta-feira, 23 de maio de 2008

vivencias-madeira-cronológica (1971/1)



1971: ao voltar das minhas férias em fevereiro fui chamado à direção geral e indicado para ser transferido para o Paraná, para chefiar a delegacia de repressão ao tráfico de entorpecentes da superintendência local. De uma parte, vibração pelo fato de ser um policial federal, pronto a servir em qualquer estado brasileiro, e por voltar à linha de frente, ao combate direto ao crime, e não só o trabalho de gabinete, mas por outro lado a curiosidade da residência em lugar desconhecido e a preocupação com a família. Sabíamos que lá era muito frio, porém um lugar muito adiantado, com vida barata e disciplinada. Lá fomos e conseguimos uma casa excelente, bem próxima do centro de Curitiba, atrás do palácio do governador, no bairro de Ahú de Baixo. A casa tinha amplas salas de visitas e jantar (acopladas), três quartos, quarto de empregada, ampla cozinha e banheiro, com entrada de garagem lateral, jardim à frente - e nos fundos, ao lado da garagem, uma área gramada com uma churrasqueira no chão (fogo de chão, como o gaúcho diz) que conosco sempre serviu para inúmeros sapos morarem. Nesta rua, de nome Manoel Eufrásio, no número 1520, moramos por quase dois anos com Hilda e a visita constante de Dona Hilda, Seu José e meus pais, além de amigos do Rio que estivessem de passagem. Lá Terezinha reencontrou uma grande amiga da Mesbla, vendedora, colega de trabalho na seção de meias, a Cenira, que estava casada com o Mauro, também carioca e gerente da Casa Massom, filial de Curitiba, que era uma das maiores joalherias do Brasil. Foram nossos cicerones e introdutores nos costumes curitibanos, bem diferentes dos cariocas. Cenira e Mauro (já falecido) foram os padrinhos de batismo de Cintia, recém-nascida e já sofrendo um frio terrível. Na SR/DPF/Paraná acumulei, com a repressão aos tóxicos, a delegacia de repressão ao tráfico de pessoas, que combatia uma área criminosa não muito falada, mas imensa, que é o chamado tráfico de escravas brancas (recrutamento de mulheres para prostituição em outros países - e até no mesmo país, em lugar diverso do de moradia). Foi uma época de muito trabalho, com viagens constantes para o interior do Paraná, em especial para a área fronteiriça (Foz de Iguaçu e Guaíra, ainda não existia a barragem), com muitos riscos, diligências continuadas, prisões de traficantes internacionais, grandes apreensões de drogas, alguns tiroteios, lavratura de flagrantes, presidência de inquéritos policiais e muitas palestras em colégios para adolescentes (sobre os malefícios das drogas), deixando muito Terezinha sozinha com as crianças. Ainda bem que pertinho - praticamente na esquina da nossa rua com a avenida principal - havia um colégio muito bom para a faixa etária deles, que Caio e Flavia freqüentavam. O frio era (e é) demasiado, principalmente quando chovia, com um vento que cortava o rosto e rachava os lábios, não deixando a roupa secar e fazendo com que para tomar banho (nem todo dia, claro) tivéssemos que atear fogo ao álcool em uma bacia, abrindo ainda a torneira de água quente, para assim conseguirmos nos despir. Infecção de ouvido as crianças tinham direto; eu usava ceroulas e camiseta de lã de manga comprida por baixo da roupa. Curitiba era excelente para se morar: cidade organizada, povo respeitador que recebia muito bem, vida barata, comida e bebida fartas. Enfim, uma cidade européia em seus costumes. Madeira

quarta-feira, 21 de maio de 2008

vivencias-madeira-cronológica (1970/3)


Manteiga derretida: nasce a Cintia


1970: à vida tranquila de professor e chefe de divisão na ANP, a que eu já estava acostumado e gostando no trabalho e que tinha tudo a ver com meus estudos de magistério, juntavam-se as peladas (vício tal que Dona Hilda sempre dizia que, se ela morresse na hora do meu futebol, eu não iria ao enterro - e acho que ela estava certa), o clube no fim de semana e a presença constante de Ivone, Egydio e filhos; enfim, era só aguardar a chegada de Cintia. O esquema era o mesmo, pois desejávamos que todos nascessem no Rio, com o Levy. Assim, Terezinha iria para lá ao final do oitavo mês e aguardaria o momento com o Levy, e eu em Brasília pronto. Acontece que ao contrário de Flavia, que atrasou quase um mês, Cintia adiantou quase dois e nasceu com oito de gestação. Tocou uma confusão danada quando Terezinha começou o trabalho de parto, e ainda bem que o médico que fazia o pré-natal dela era muito bom e foi de fácil acesso, pois estava de plantão no hospital distrital da L2-Sul, próximo de nosso apto, e rapidamente a levei para lá, por volta das seis e meia da manhã do dia dez de setembro. Às sete e quarenta e cinco nasceu Cintia, prematura (hoje, ao olhá-la, quem pode imaginar isto?), pequenininha, que teve de permanecer na incubadora por algumas horas (cuidado necessário), mas foi logo liberada para ficar no berçário e com a mãe, pois após examinada foi constatado que tinha a saúde perfeita. Mais um espírito amigo e amado incorporou-se à nossa família, para nossa alegria e felicidade. O mesmo cestinho-berço, que tinha recebido e hospedado os irmãos, serviu à Cintia, que como a Flavia não deu trabalho maior, sendo um bebê tranquilo, mantendo no entanto o costume de ser acelerada no andar e no desenvolvimento. Caçula querida, até hoje, juntamente com os irmãos, um dos grandes motivos de me sentir realizado nesta vida, e acrescentadora de alegrias e momentos continuadamente felizes. Madeira

terça-feira, 20 de maio de 2008

vivencias-madeira-cronológica (1970/2)



1970: na ANP voltei à vida tranquila, de muito trabalho na montagem de cursos, seleção de alunos e docência, e estava desde o ano passado fazendo um curso de magistério com bacharelado em história no CEUB - centro universitário de Brasília. Sempre tive muita vontade de aprofundar meu conhecimento sobre a ciência da história e aproveitei a abertura do CEUB, com oferta de matrícula e menos tempo de estudos (pelo aproveitamento de disciplinas feitas, para quem já tivesse curso superior), e topei. Em casa tudo corria bem, apenas Terezinha com dificuldades por Flavia estar na fase de andar e ela grávida de Cintia. Então, como sempre, veio a mão divina e apareceu em nossa casa a Hilda, que se encantou com Flavia e Flavia com ela. De imediato contratada, foi uma mão na roda, como dizia meu pai. Fora isto, a Revolução sendo atacada covardemente, com inocentes como um soldado sentinela no II Exército, que foi morto sem ter nada com nada, estava apenas cumprindo o seu serviço militar. Hoje vejo meia dúzia de procuradores jovens, que não vivenciaram a época e que se acham os donos da justiça, propondo ações contra pessoal das FFAA que foi atacado e se limitou a fazer cumprir as leis (alguns cometeram excessos, mas muito mais os cometeram os que iniciaram - e covardemente - a luta armada contra o sistema vigente). Oposição sempre houve (MDB foi um exemplo) e foi respeitada, como direito para todos aqueles que não cometeram crimes, os quais nunca foram presos ou torturados (vejam o exemplo de Ulisses Guimarães, Teotônio Vilela, Jefferson Perez, Pedro Simon e até o próprio Lula, que esteve oito dias preso e não levou um tapa ou foi preso outras vezes). Portanto, é fácil comprovar que os que foram presos o foram porque assaltaram, seqüestraram ou assassinaram (até companheiros que queriam desistir da luta armada eram mortos por eles covardemente). No entanto, a mídia socialista, por sonho ou média, mas socialista da praia ou das noites cariocas/paulistas, nunca da pobreza, do sertão (lá a vida é dura) apóia e dá divulgação à mentiras de mentes obsedadas pelo poder, pois eles mesmos dizem que a luta é pelo poder. Poucos se atrevem hoje a dizer a verdade, pois esta não vende jornal nem anúncio em TV e rádio, nem garante aplausos fáceis. Estes corajosos são perseguidos e alguns que devem ser lidos são Olavo de Carvalho, Reinaldo Azevedo, Diogo Mainardi, Arnaldo Jabor (ex-comunista convicto) e Roberto Pompeu de Toledo. Apesar da Lei da Anistia, querem abrir arquivos, e eu entendo que devem ser abertos, mas com a presença de ou feito por analistas internacionais, ou então - como nessas indenizações absurdas, que alguns poucos honestos como Gabeira e Millôr não aceitaram - só virão as verdades de quem está no comando do país. Vai aparecer tortura de agentes policiais e militares, mas também vão aparecer justiçamentos (assassinatos) feitos por altas personalidades do atual governo, bem como riquezas conseguidas com o dinheiro desviado dos assaltos ou vindo de Cuba e da URSS. É fácil ser o tal, o dono único da verdade quando se tem a máquina governamental na mão. Na verdade foram e são até hoje mentirosos e covardes, ao contrário de um Ulisses, um Simon, cometendo, sob a desculpa de criar uma democracia (que existia forte, mas com o povo protegido, sem crime organizado, sem traficantes, sem violência), todo tipo de pusilanimidade, de poltronice e maldade. Hoje se locupletam escrevendo inverdades, dando palestras e prestando consultorias (com que preparo e em quê? - em mudança de face, em se esconder, em fugir após delinqüir?). Um dia, no entanto, far-se-á justiça, como o próprio Lula, este um líder sindical de peso, nunca um subversivo, faz volta e meia à revolução, reconhecendo as coisas boas feitas pelos seus presidentes. Madeira

segunda-feira, 19 de maio de 2008

vivencias-madeira-cronológica (1970/1)



1970: mais uma vez deu-se a merda, ou seja, com a minha maneira de ser, de quem é fiel ao seu caráter, talvez teimoso, de quem não deixa que a coluna se envergue por causas mesquinhas ou materiais, não aceitando a covardia como forma de sobrevivência, só aceitando recuos ou humilhações por alguma causa maior que a do interesse pessoal, briguei com o diretor geral do DPF, um desses generais (a maioria é boa) que vão para a reserva e acham que continuam generais no meio civil. Aconteceu lá pelo meio do ano, quando a direção geral resolveu de vez unificar os dois serviços de informações (inteligência, hoje em dia) do DPF, o que eu chefiava (SI/DO) e o do DOPS (SI/DOPS), chefiado por um colega delegado, o dr. Firmiano Pacheco, ficando o DOPS somente com a parte operacional ligada ao DOI/CODI (nós éramos ligados ao SNI). Idéia muito boa esta, a de subir os arquivos do DOPS e ter um só órgão de informações na polícia federal. O problema, para a minha surpresa, é que o tal general chamou a mim e ao Pacheco, comunicou-nos a determinação e nos informou que chefiaríamos o órgão, ou seja, ele traria o seu pessoal e material e dividiria os trabalhos e decisões comigo. De imediato, na bucha, avisei que por princípio de comando eu não o dividiria, e a direção geral que ficasse à vontade para me exonerar do cargo, ficando apenas o Pacheco. OK, me fodi. Saí de cabeça erguida, certo de que os alfarrábios de comando me ensinaram isto e meus comportamentos profissionais também, mas perdi de imediato cerca de 50% do meu salário, pois a minha chefia era de cargo comissionado 5C. Isto pagando a prestação do apto e com as prestações de um carro novo comprado há pouco (um fusca 0 km, meu primeiro carro novo e com a família aumentando, pois inexplicavelmente - os médicos diziam que no pós-parto a mulher não engravidava - Terezinha estava grávida de Cintia). Pra completar, transferiram-me para a ANP (academia nacional de polícia, órgão de ensino da polícia federal), onde eu já dava muitas aulas, principalmente sobre inteligência policial. Novo ciclo, bem diferenciado, em uma área (dos males, o menor) com a qual já me identificava, o ensino. Assim afastava-me da Interpol e das informações, e na ANP acabei por (identificando-me mais com isto) aprender a montar cursos, traduzir livros policiais (traduzi provavelmente o primeiro manual de segurança empresarial - do inglês -, que tornou-se depois um manual da ANP), lecionar mais continuadamente e depois a aplicar concursos. No fim, foi bom. Com o meu senso profissional de fazer o que me era determinado com rapidez (e bem feito), logo na ANP recebi missões importantes, dentre as quais a de montar o plano de segurança da futura sede do ministério das relações exteriores, o Itamarati, na Esplanada dos Ministérios (o único prédio diferente) e de montar e aplicar o curso de formação do pessoal aprovado em concurso público para o quadro de segurança do mesmo. Também no final do ano fui designado para o cargo de chefe da divisão de cursos e seleção da academia, que, ainda que não representasse o mesmo quantum da anterior, diminuiu o sufoco financeiro. Novo ciclo vivencial - mais aprendizagem, mais bagagem. Madeira

domingo, 18 de maio de 2008

vivencias-madeira-cronológica (1969/2)


Brasil 1X0 Paraguai, Maracanã: gol de Pelé, eliminatórias da Copa de 70.


1969: junto às mudanças com o aumento da família, as mudanças no trabalho. Antes de acompanhar o movimento político (as ações da revolução e os movimentos contrários) por força das atividades no centro de informações, minhas convicções sócio-políticas resumiam-se a cumprir minhas obrigações de cidadão, obedecendo ao conjunto de leis, sendo rigoroso comigo mesmo nos comportamentos do dia-a-dia, honesto, atuando como um servidor público responsável e entendendo que aqueles que elegemos são os responsáveis pela condução do país, por delegação dos eleitores, e isto forma uma democracia. Não adianta e não é correto, se a maioria quer um governante, você sabotá-lo ou querer tirá-lo do poder que lhe foi dado por vontade do povo. Você pode discordar, discursar contra, mas deve aceitar e até torcer para que dê certo, pois o importante é o respeito ao que a maior parte das pessoas quer e quis. Foi exatamente o que ocorreu em 1964, quando o povo todo estava revoltado com a baderna reinante no Brasil, com a falta de disciplina e respeito existente e tudo comandado pelo governo central (Jango). Isto ficou claro com a marcha da Família, que tomou conta das ruas do Rio sem convocações, sem condução para o povo, apenas por sua vontade soberana. Tudo muito evidente - menos para os pseudo-comunistas brasileiros, na realidade oportunistas que desejam apenas se perpetuar no poder e as riquezas inerentes a ele. De 64 a 67 a Brasil viveu um período de calma e progresso, com combate e vitória contra a fome e o analfabetismo, chegando a ser a sétima economia do mundo. Mas em 1968, impulsionados pelos movimentos estudantis de rua franceses, os oportunistas voltaram com violência. Hoje a mídia socialista, que quer fazer média e vender jornais e programas, fala (na maior parte da vezes, com raras exceções corajosas) da violência da Revolução. Houve, claro que houve, alguns abusaram, outros apenas se vingaram (o que é errado), mas a verdade é que ocorreu uma proposta de combate, uma proposta de luta armada iniciada por alguns idiotas preparados em Cuba, idiotas que mataram, seqüestraram, torturaram (principalmente os companheiros deles que tentaram desistir) e assaltaram bancos - e queriam o quê? Passividade de um governo forte? Os casos são de domínio público: explodiram o carro particular, no vale da Ribeira/SP, de um tenente nissei da PM/SP, um jovem que nada tinha com a Revolução; fizeram um PM/SP de trânsito ajoelhar-se no meio da avenida São João, durante um assalto a banco, e depois atiraram em sua cabeça; e inúmeros outros casos de covardia. Tinham suas células de subversão organizadas em uma de expropriação (assalto a banco), uma de controle de esconderijos (aparelhos), uma de ação armada e uma de justiçamento, onde torturavam e matavam aqueles que queriam desistir das ações de luta armada. A partir daí houve a criação dos DOI/CODI´s, que centralizaram as ações de combate às atividades deles. Assim, repito o que o presidente do Clube Militar disse há pouco: vamos reabrir, vamos apurar tudo sobre as ações da revolução, mas também vamos investigar todos os crimes cometidos pelos que atacaram, iniciaram a luta armada, quase todos hoje altos líderes do governo central, e aí que se fale a verdade e que os criminosos sejam punidos - e não somente aqueles que reagiram. Madeira

sábado, 17 de maio de 2008

vivencias-madeira-cronológica (1969/1)


Maternidade São José, Mesquita: "dos três a mais pesada ao nascer."


1969: com o futuro centro de informações do DPF montado, recebendo pessoal e material para a centralização das informações anti-subversão e a Interpol rodando direitinho, seguia a vida. Com o Caio já na escolinha, andando, os finais de semana no Minas-Brasília e as visitas do pessoal do Rio (até meus pais foram conhecer nosso apto), nossa vidinha corria tranquila, e chega então a novidade: Terezinha grávida. Família planejada, era nossa vontade que Terezinha tivesse outro filho quando o anterior não mamasse mais e já andasse; enfim, que exigisse cuidados diferenciados dos de um recém-nascido. Era uma menina e deveria nascer em setembro, mesmo mês de Terezinha. Alegria geral, cuidados mil. Neste ínterim, uma viagem à Paris para um congresso na sede da Interpol sobre a utilização da informática no combate ao crime organizado. Lá fui eu rever Paris. Setembro chega e nada da menina chegar. Em todo caso, no final de setembro acertamos a ida de Terezinha e do Caio, com a babá, para o Rio, para ficar com Dona Hilda e o Levy acompanhando, pois o esquema era idêntico ao do primeiro filho (lá em Mesquita, na maternidade São José). Início de outubro, notícias de que estava chegando a hora, racho para o Rio no possante gordini azul escuro. Fui voando e cheguei lá no dia seguinte, dois de outubro, por volta das quatro horas da tarde. Terezinha começa a sentir as dores do parto. Vou com ela e Dona Hilda para a maternidade. Chegando lá, bem na porta, quando ia saindo do carro, estoura a bolsa d´água, e Terezinha é levada às pressas para a sala de parto. O médico obstetra de plantão, um japonesinho de que até hoje não sei o nome, começa o atendimento. Terezinha me implorava para ir buscar o Levy. Saí correndo (não existia celular, claro, e não consegui falar com ele pelo orelhão) e encontrei-o em outra casa de saúde, no Méier; voltamos correndo, ele em sua vemaguete e eu no possante. Chovia bem e lembro-me dele na minha frente, em cada curva derrapávamos. Quando chegamos, a atrasadinha (nos dias) e também apressadinha (no nascer) já tinha dado as caras. Dois de outubro, às dezoito horas, pelas mãos de um médico desconhecido, mas sob a orientação e o amor do Levy, que nos levou (eu e Dona Hilda) para ver Terezinha e Flavia. Ao contrário dos irmãos, já surgiu grandinha, e foi dos três a mais pesada ao nascer. Como os outros, já nasceu linda. Logo Terezinha, que se recuperava rápido quando em um hospital (sempre teve horror a eles, parece que já antevia o que iria passar), estava pronta para voltar para casa, e voltamos com tranquilidade para Brasília, a família aumentada. Flavia, como o Caio e depois a Cintia, veio a acrescentar e muito ao nosso viver. Bonita, corajosa, lutadora à sua maneira pelas causas que entende justas, companheira que não hesita em desafiar o que for preciso quando decide lutar, é também parte importantíssima desta minha vivência e com ela quero conviver o número necessário de vidas para aprender e me desenvolver. Madeira

sexta-feira, 16 de maio de 2008

vivencias-madeira-cronológica (1968/2)


Forte Duque de Caxias, Leme


1968: passei os seis meses do primeiro semestre no Rio, e aprendi toda a teoria e toda a prática de atividades de combate à subversão da ordem social e política em um país, segundo a doutrina brasileira (com base na norte-americana e na israelense, de dois países adiantados na realidade anti-terrorismo e anti-sabotagem), lá no CEP, no Forte Duque de Caxias. Este curso, de formação de analista de informações, era para oficiais (havia o de operações, que era para nível médio, sargentos) e foi a base para a criação da escola nacional de informações (EsNI), ligada ao SNI (hoje ABIN). Éramos trinta alunos, quase todos oficiais das Forças Armadas e Auxiliares (PM´s) - com dois civis apenas, eu e o Jercides Dórea, da polícia federal. Terminei em terceiro lugar, num claro ajuste para não ser um civil o primeiro colocado (arranjaram umas pontuações por mérito, típicas de militar), mas foi bom, aprendi e entendi muita coisa do que ocorria no mundo e no Brasil, como guerra fria, comunismo internacional e outros. A morada no Leme foi uma delícia, até porque foi no tempo de verão, pós-carnaval, com uma praia ótima e tranquila à nossa porta. O estudo, apesar de puxado, levei numa boa, facilmente (não tinha números), e as presenças de Terezinha e Caio foram ótimas, com passeios e fins de semana gostosos. Voltando à Brasília no meio do ano, reassumi a Interpol e dediquei-me a montar o novo serviço de informações do DPF, que foi o núcleo embrionário do a seguir centro de informações, do qual fui o primeiro chefe e que é hoje o serviço de inteligência da PF, a todo momento falado na mídia como o órgão que, através de escutas, gravações e campanas descobre crimes praticados contra a União. A Interpol não ficava abandonada, e com muito trabalho tocava as duas áreas, já sabendo que logo teria de haver a separação e eu de optar por uma ou ser designado para a outra. Assim, em setembro, fomos eu e o chefe da seção de estudos (núcleo que era a Interpol), o dr. Paulo Nasi Brum, gaúcho, dono de inglês fluente com o diretor geral do DPF, o Cel. Florimar Campello para o Japão, mais exatamente para Kyoto, representar a Interpol/Brasil no congresso anual da entidade. Mais uma viagem de sonho, com ida antecipada (como recompensa) de quinze dias, passando este tempo entre Hollywood, Los Angeles (lá estive na então única Disneyworld) e Havaí, em Waikiki Beach. No Japão nos encontramos com o diretor geral e, após o congresso, fomos convidados pelos chefes da Interpol de países da Ásia para passarmos alguns dias em outros outros lugares. Assim conheci a Tailândia (Bangkok), Líbano (Beirute), Síria (Damasco), Índia (Nova Déli), Paquistão (Karachi), Itália (Roma) e terminando em Paris, onde conseguimos, eu e o Paulo, um estágio de quinze dias na sede da Interpol. Na volta ainda fiquei quatro dias em Portugal, para visitar o meu pai que lá estava. Enfim, a vida não é só trabalho... Madeira

quinta-feira, 15 de maio de 2008

vivencias-madeira-cronológica (1968/1)



1968: vida transcorrendo tranquilamente, eu acompanhando à distância os acontecimentos no Brasil, pois a Interpol tem como obrigação dos países filiados a proibição de tratar de assuntos políticos, religiosos e raciais. Assim, tinha e tenho minha opinião extremamente favorável ao movimento de 31 de março de 1964, mas não acompanhava as ações do governo militar, a não ser pela imprensa ou por comentários de colegas de setores envolvidos com a repressão. Mas - sempre um mas - a direção geral do DPF resolveu criar um órgão para centralizar as informações sobre as atividades de subversivos, ganhando assim agilidade para informar (de forma unificada, completa) ao ministro da justiça e ao presidente da república os fatos ocorridos. Isto na realidade atendia a uma comprovação feita, nos anos anteriores, de que só se tem êxito nas ações de repressão com a centralização das mesmas, pois de início o combate às ações violentas fracassaram por haver muitos órgãos trabalhando no mesmo assunto, e desordenadamente. Somente com a unificação das ações, com a criação do DOI-CODI, é que veio a dar certo e a se desmontar as células comunistas/oportunistas. No DPF já existia o DOPS central, na sede, e um em cada superintendência, todos ligando-se com todo mundo (Exército, Marinha, Aeronáutica, PM´s, CB´s). Ao procurarem um lugar dentro da organização - não pretendiam, de início, mexer em sua estrutura, o que demandaria uma lei - bateram na minha área, na Interpol, esta já muito bem organizada, rodando redondinha junto à direção geral (no organograma, era esta a nossa subordinação). Expliquei que era impossível executar o pretendido, face ao regulamento da Interpol, mas recebi a determinação de desmembrar o meu pessoal e deixar a seção de estudos (que eu chefiei e montei na minha chegada à Interpol, em l963) como sendo o núcleo-base de um novo serviço de inteligência do DPF, um órgão da direção geral responsável pelo controle de todas as informações referentes à área de combate à subversão, ficando o outro setor da Interpol - o serviço de investigações - como a Interpol propriamente dita. Pronto, lá fui eu para o furacão, mas ordem é ordem e eu era e sou totalmente favorável ao movimento de 64 pelo aspecto anti-comunista e moralizador. Isso resultou em um curso no Rio de Janeiro, no centro de estudos de pessoal do Exército, o CEP, situado no Leme, no fim do mesmo, no Forte Duque de Caxias. Curso de seis meses e seria difícil, recém-casado e com filho pequeno me separar da família (apesar de ser carioca e ter a chance de morar na zona sul), e a solução foi, com as diárias, alugar um apto de temporada no Leme, perto do CEP, e foi o que fizemos. Assim, parte deste ano eu, Terezinha, Caio e uma babá fomos residentes do Leme, na rua Gustavo Sampaio, e isto foi melhor que deixar a família em Brasília, indo lá uma vez por mês, morando só e guardando o dinheiro das diárias. Ainda tinha o possante do meu gordini pra passear pelo Rio, então um mar de tranquilidade graças à denominada Revolução. Madeira

quarta-feira, 14 de maio de 2008

vivencias-madeira-cronológica (1967)



1967: ano que se iniciou com uma visita à casa dos meus pais em janeiro, antes de retornar à Brasília, depois de passar todo o ano de sessenta e seis sem falar com eles, rompido por causa da palhaçada de minha mãe na festa de meu casamento. Fui até lá levar o Caio Fabio para eles conhecerem. Deixei Terezinha no carro, na porta da casa, e subi com o Caio recém-nascido para apresentá-lo aos avós. Meu pai recebeu-nos muito bem, saudoso, solicitou que Terezinha subisse e deu o assunto por encerrado (com minha mãe muito sem graça); aceitamos o esquecimento e tudo ficou bem. Em Brasília, terminamos de montar nosso apto (já muito bonito): comprei um televisor e um móvel conjugado de toca-discos, toca-fitas e rádio, o que fez com que Terezinha, após um ano de dona de casa, pudesse ouvir algo além do que ela escutou no ano anterior - como ela dizia, apenas os estalidos do sinteco novo. Caio Fabio teve o outro quarto montado para ele, com um sofá-cama colocado para prováveis visitas e logo foi habitá-lo, saindo do nosso quarto. Caio era espertíssimo: aos oito meses saiu do andador sem vermos e apareceu na cozinha empurrando-o. Com nove meses ele já estava andando e foi um problema, pois queimou a etapa de engatinhar e o pediatra, o dr. Edson Porto (excelente sob todos os aspectos) queria que ele aprendesse a engatinhar e tentamos de tudo, colocando-o de gatinhas, falando com ele e tal, mas não adiantou, nunca engatinhou. Caio também não usou chupeta, jogava-a fora quando lhe era dada e não mamou no seio, tínhamos de tirar (eu ajudava) o leite do seio de Terezinha e colocá-lo na chuquinha (pequena mamadeira para dar água à crianças recém-nascidas). Logo passou a comer umas sopinhas compradas em supermercado, daquelas para crianças pequenas. Conseguimos uma auxiliar do lar, a Léa, para os serviços de casa. Os finais de semana eram no clube com Egydio, Ivone e os filhos Raul e Mônica. Duas vezes por semana, à noite, eu e Egydio disputávamos o campeonato de Brasília de futebol society (a quadra era quase em frente ao meu apto) - e fomos campeões. No trabalho eu já chefiava a Interpol, e com isso acabei indo à minha segunda viagem internacional (a primeira quando fui para Portugal, aos dez anos, com meus pais) para representar o Brasil no congresso internacional da agência, realizado em Berna, Suiça, no mês de setembro. Fui em companhia de outro delegado, mais antigo, o dr. Gilberto Alves Siqueira, e foi um deslumbramento. Passaporte diplomático, mordomias mil, ida e volta por Paris, com direito a ficar lá na volta alguns dias. De Paris para Berna fomos de trem, veloz e então moderníssimo, com muito trabalho nas reuniões plenárias e nas temáticas, discutindo temas referentes à criminalidade internacional, a que migra na formatação ou no próprio criminoso. As noites eram de passeios noturnos, com shows maravilhosos; enfim, uma aprendizagem e um conhecimento espetaculares, com amizades internacionais novas. Ano tranquilo, com muito amor e paz, com Dona Hilda nos visitando com freqüência. Madeira

terça-feira, 13 de maio de 2008

vivencias-madeira-cronológica (1966/3)



1966: no final do ano, já no Rio de Janeiro aguardando o nascimento do Caio Fabio, fomos na tarde do dia vinte e dois de dezembro até a maternidade São José, onde o Levy examinou Terezinha, confirmou que estava tudo bem e que nos próximos dias ocorreria o parto. À noite, no nosso possante Gordini, fomos eu e Terezinha à Mesbla do Méier para comprar uma banheirinha para os banhos do Caio, última coisa que faltava do enxoval dele. Acabamos de fazer a compra e ao voltarmos pra casa Terezinha começou a sentir as dores do parto, obrigando-me a ligar para o Levy, informando-o e dirigindo-me, com ela e Dona Hilda, para a maternidade por volta das vinte e três horas. Lá chegando, logo chegou o Levy e ela foi para a observação, entrando na sala de parto já com a dilatação informando que era mesmo a hora, isto cerca das duas da manhã do dia vinte e três de dezembro. Às quatro horas da manhã Levy apareceu e informou que tudo correra bem, Caio Fabio estava no banho para ir para o berçário e Terezinha terminando os cuidados médicos pós-parto. Às seis horas tive acesso à Terezinha, que estava muito bem, animada, com um ar de felicidade e bonita, apenas cansada, e depois pude ver o Caio, ainda através do vidro do berçário. A partir daí foi a guerra de Terezinha com Levy, porque ela não aceitava passar o dia de natal internada. Após muitas tratativas ele consentiu, e na tarde de vinte e quatro de dezembro, véspera de natal e dia de sua comemoração fomos embora da maternidade para a casa de Dona Hilda, à rua Proclamação, em Bonsucesso, onde passamos o natal e o ano novo. Mais um ciclo em meu viver (a paternidade), no qual me comprometi internamente a buscar ser o melhor possível, imitando em muito o meu pai, pois não há escola para pais e só pela análise de outros comportamentos paternos pode-se ter algum parâmetro, e eu entendia e entendo que a forma de meu pai educar era a correta. Valeu Caião, tua vinda nos marcou pela pessoa que és, de uma correção de comportamento, de uma honestidade e de uma coragem fortíssimas. Madeira

segunda-feira, 12 de maio de 2008

vivencias-madeira-cronológica (1966/2)


Minas-Brasília Tênis Clube


1966: casado, com muito trabalho na Interpol, com orçamento apertadíssimo, os finais de semana e feriados eram no Minas-Brasília, clube social no setor de clubes do Lago Norte, muito gostoso, onde jogava com o Egydio pelo time de futebol do clube em um campo gramado (fato então raro em Brasília, onde os campos eram de terra vermelha) aos sábados à tarde, e lá ficávamos aos domingos pela manhã na piscina, nós dois com as famílias. Egydio e Ivone já eram pais de uma menina, a Mônica, que para variar foi nos dada como afilhada de batismo. Os almoços dos domingos eram sempre na casa do Egydio, ao voltarmos do clube. Minha parte era ser o motorista da família, pois desde 1963 tinha carro (primeiro um dauphine verde incrementado, depois um gordini azul forte), e como o Egydio não sabia dirigir (nunca aprendeu) a missão de pegá-los para ficarmos juntos sempre foi minha, isto durante os mais de quarenta anos de nossa convivência. Egydio também tinha trocado a farda pela recentemente criada polícia federal, e seguíamos nossas vidas juntos. Terezinha engravidou logo após o casamento (ela não era fácil neste ponto, engravidava até pelo cheiro do esperma), e o pré-natal indicava o nascimento no final do ano. Em paralelo, Ivone também tinha engravidado de novo, com previsão de nascimento para outubro do ano. Assim, com as duas primas-irmãs grávidas, passamos este ano na rotina de trabalho, dureza, cuidados com elas, peladas e jogos. Em outubro nasceu o filho deles, batizado de Raul, e em dezembro nasceu o nosso, o Caio Fabio, mais exatamente em 23 de dezembro, no Rio (pelos parentes tínhamos decidido que nossos filhos nasceriam no Rio, onde também seriam batizados), na maternidade São José, em Mesquita, local selecionado por lá trabalhar o médico por nós escolhido para o parto de Terezinha. Esse médico era o dr. Leon Levy, pessoa maravilhosa, profissional competente, à época recém-formado, que eu tinha conhecido e com ele me relacionado - com muito carinho e amor - quando no BIB, onde ele serviu como aspirante subordinado a mim. Amigo leal e interessado, nos afeiçoamos (até hoje é mais um irmão não sanguíneo dos que Deus me deu) e ele nos ajudou muito - espiritualmente - nos chiliques de Dona Hilda (ela desmaiava e passava mal com alguma freqüência, e em uma das vezes pedi ao Levy, como médico, que a atendesse; ele o fez, e daí veio a ligação forte). Caio nasceu de madrugada, às vésperas do natal, nós já no Rio de férias para o parto e foi uma felicidade muito grande. Pra variar, os padrinhos do Caio foram a Ivone e o Egydio. A família começava a se formar definitivamente, e dos dois chegamos aos três, com todas as lutas e dificuldades existentes, mas juntos e unidos para o que viesse. E muito mais coisas vieram. Madeira

domingo, 11 de maio de 2008

vivencias-madeira-cronológica (1966/1)


Igreja de Santa Terezinha, Tijuca


1966: definitivamente um novo ciclo, como os anteriores totalmente desconhecido e muito mais importante e delicado, afinal eu passaria a ser responsável por outras pessoas (esposa e filhos). Assim eu estava preocupado, pois pela educação que tive, pelos costumes e até pela lei (código civil) de então o homem era o chefe da família, aquele que a conduzia, que decidia. Para mim, até então solteiro, fazendo meus horários e tomando as decisões sozinho era uma grande novidade passar a possuir essa cobrança interna e social, de dividir os comportamentos, as decisões com outra pessoa (certamente bem diferente de mim, da minha forma de pensar). Aos vinte e seis anos começaria a cumprir o príncípio bíblico de crescei e multiplicai-vos, mas ia com muito amor e a certeza da escolha acertada da companheira para tal. Bem, em fevereiro, na igreja de Santa Terezinha, no Rio de Janeiro (escolhida por ser o nome de Terezinha, dado a ela em homenagem à santa), no dia marcado - cinco de fevereiro -, casamo-nos com o habitual atraso da noiva (uma hora), tendo inclusive o casamento seguinte, das dezenove horas, passado à nossa frente, pois éramos o das dezoito horas. Enquanto esperava fiquei no ádrio da igreja comendo pipoca com os amigos da turma da José Higino, e sofrendo as gozações de que a noiva havia desistido. Mas às dezenove horas ela chegou muito bonita, classuda e amarramo-nos perante o altar com os compromissos oficiais. Depois disto fomos para a recepção no Centro Trasmontano, próximo ao Largo da Segunda-Feira, clube social da colônia portuguesa, dos nascidos em Trás-os-Montes, Portugal, onde meu pai era diretor e que eu frequentara com ele desde pequeno. Foi uma recepção muito bonita, para os amigos dos pais, meus, de Terezinha e de nossos amigos e demais parentes, e que nós dois tínhamos montado. Transcorreu normalmente enquanto eu e Terezinha estávamos presentes, e depois de cortarmos o bolo nupcial, mudarmos de roupa e nos despedirmos dos convidados em direção à nossa lua de mel, no hotel-fazenda Três Pinheiros, em Engenheiro Passos, caminho para São Lourenço e Caxambu ocorreu a confusão, da qual só soubemos ao voltar da lua-de-mel. Minha mãe, contrária ao meu casamento com Terezinha, com raiva de Dona Hilda (que eu tratava como mãe) e também por eu não ter me casado com a afilhada dela foi tomar satisfações - e Dona Hilda respondeu à altura. Minha mãe estava acompanhada de minha madrinha Adyr, irmã dela, barraqueira de primeira, e atirou uns doces que estavam na mesa de Dona Hilda em cima desta, que revidou, havendo uma batalha doceira entre as alas femininas das famílias, batalha esta paralisada pela ação dos homens. Ao retornar e saber do ocorrido telefonei ao meu pai, e sentidamente (pelo amor e pelo respeito a ele) avisei que não iria mais em sua casa pelo comportamento de minha mãe, para não desrespeitá-la e assim brigarmos. Voltamos para Brasília e iniciamos nossa vida de casado com muitas dificuldades, pois o salário só dava para pagar as prestações para montar a casa e as do casamento, mas havia alegria e amor. Madeira

sábado, 10 de maio de 2008

vivencias-madeira-cronológica (1965/2)


Asa Sul, Brasília


1965: em julho ocorreu o retorno à Brasília, reassumindo as funções na Interpol de chefe da seção de estudos, sendo responsável pela análise e andamento das solicitações de ações oriundas da central da Interpol em Paris (ou de órgãos policiais brasileiros e ainda de qualquer nação do mundo filiada à Interpol). Do Rio ficou uma forte saudade, com a despedida dos conhecidos, do futebol no departamento autônomo, das idas ao Maraca e dos meus pais, pois tinha definitivamente optado por Brasília como cidade de moradia. Ficava principalmente a noiva, aguardando as providências da morada própria para montarmos nosso lar. Enquanro ela montava o nosso enxoval de peças de cama, mesa e banho, eu me virava para conseguir o apartamento funcional para casar. Mais uma vez o destino (meus mentores) deram aquele empurrão e consegui um apto na Asa Sul, na superquadra 409, chamada de quadra do IAPI, quadra bem desenvolvida, com todo o apoio logístico indispensável de padaria, mercado, farmácia etc. Esta vitória devo a um amigo especial chamado Altamir Balbino, que eu tinha conhecido e aprendido a admirar quando na cia de trânsito da GEB. Na minha ausência do Rio, no BIB, Balbino tinha também optado pela ida para a parte civil do DFSP e havia sido lotado na Interpol como agente de polícia, mas antes disso ainda ficara requisitado por um período (enquanto eu estava na tropa de choque) na Novacap, órgão da prefeitura do DF responsável pelos projetos da nova capital e em especial pela distribuição e conservação dos aptos funcionais. Meu amigo, trabalhando junto e ainda com conhecimentos e amigos na Novacap, foi meu elo para conseguir me inscrever e arranjar esse apto. De posse das chaves do mesmo, Terezinha foi visitar-me, hospedou-se no Egydio e aprovou o imóvel, no quarto andar do bloco B da quadra 409-Sul. A partir daí foi uma correria para pintar e dar uma gabaritada no apto, tendo ela desenhado os móveis como queria e, numa ida ao Rio, os encomendamos em uma fábrica de um amigo de meu pai, Seu João Silva. Não foi frescura fazer móveis sob medida, mas uma necessidade pelo tamanho dos dois quartos e da sala. Concomitantemente escolhemos o tipo e as marcas dos utensílios domésticos, para que eu os comprasse em Brasília e demos andamento nos papéis de casamento e nas demais providências necessárias para tanto. Não foi mole, foi uma corrida só e sem dinheiro, apenas com o meu salário, pois Terezinha, a meu pedido, havia saído do emprego na Mesbla para dedicar-se no Rio a resolver tudo do casamento e da mudança dela para Brasília, e com isso assumi dar o dinheiro correspondente à parte dela em casa. O moral da história é que meus fins de semana passaram a ser dentro do apto, pintando-o (nunca pensei que conseguiria, mas o fiz). Ao final do ano estávamos prontos para casar, com tudo engrenado e muita dificuldade - mas felizes. Terminei o doutorado em dezembro com excelente aproveitamento, passei o natal com Terezinha, família e meus pais (de nariz torcido) e estava preparado para casamento e férias em fevereiro do ano seguinte, 1966, com a casa pronta e mobiliada - mas com a carência de algumas coisas pela falta do vil metal. O apto estava lindo, novinho e com sinteco, mas por falta de dinheiro não compramos um televisor, optando por uma máquina de lavar roupa, e no outro quarto colocamos um sofá-cama de casal para hospedar as visitas de sogros e de mais alguém que viesse do Rio. De resto, tinha todas as coisas que facilitam a vida doméstica. Lá vem novo ciclo. Madeira

sexta-feira, 9 de maio de 2008

vivencias-madeira-cronológica (1965/1)


Faculdade Nacional de Direito, rua Moncorvo Filho; à direita, vê-se a Praça da Aclamação (atual Campo de Santana).


1965: vida seguindo normalmente, quartel, esportes, formado em direito e inscrito na OAB sob o número 777, namoro firme e a necessidade de tomar uma decisão até julho, quando do fim do período obrigatório de estágio no exército: no Rio, continuando na vida militar até o máximo de nove anos ou advogando; em um retorno à Brasília, a opção seria dar continuidade à vida militar na então PM/DF. Decisão a ser tomada com antecedência, dadas as providências burocráticas e pessoais necessárias. Depois de muita conversa com Terezinha resolvemos que o melhor seria a volta para Brasília - já que se ficasse no exército ficaria desempregado passado algum tempo, tendo que procurar uma profissão com quase trinta anos e sem outra qualquer experiência que não fosse a militar. Se ficasse no Rio sem ser no exército teria de iniciar uma vida de advogado sem experiência e sem o apoio de um escritório de advocacia de peso. Além do mais, já que estávamos certos do nosso amor e do futuro casamento, não seria nada bom viver perto de nossos pais. Da parte dos pais de Terezinha pelas dificuldades que tinham - e seria (e foi) mais fácil ajudar à distância, para que um casal não atrapalhasse a vida do outro; da parte dos meus pelas reações de minha mãe, que influenciavam meu pai contra o meu casamento com Terezinha. Sonhavam, como todos os pais (principalmente os mais antiquados), com um casamento escolhido por eles, com alguém de posses (tipo Idade Média), do mesmo nível de estudos e que tivesse um jeito bem social, no sentido de titulações, e isso era tudo que Terezinha não tinha. Meus pais tentavam me empurrar para um casamento com a afilhada deles, professora, filha do Seu Gomes, também português, um contador que prestava serviços para os negócios de meu pai e que tinha muito dinheiro, sendo visita freqüente lá em casa e nós na dele. Era tão amigo de meu pai que comprou junto com ele um terreno na avenida Paranapuan, na Freguesia, Ilha do Governador e lá construíram, lado a lado, dois prédios de dois andares, de desenhos idênticos. A pretensa prometida até que não era feia, mas nada me dizia. Com isso tudo resolvemos ficar noivos e o fizemos contra a vontade de meus pais, e planejamos minha volta para Brasília, onde procuraria um apartamento funcional (a que, casado, eu teria direito) para casarmos em cinco de fevereiro do ano seguinte. Nesse ínterim recebi, via quartel, um documento do DFSP solicitando que eu optasse formalmente por continuar na PM (como oficial da GEB) - ou então que fosse para a parte civil. Recebi telefonemas de colegas vários que optaram pela PM (a maioria), todos solicitando que eu fizesse o mesmo. No entanto, informei-me que por decisão legal o pessoal que pertencia ao DFSP - quando a capital federal era no Rio - tinha o direito, se quisesse, de escolher a transferência para Brasília e assim continuar no DFSP (funcionários federais), ou então optar por ser transferido para o há pouco criado estado da Guanabara, ficando com todos os direitos (como funcionários estaduais). Muitos preferiram ir para Brasília, e assim o quadro de oficiais da PM/DF ficou misturado, com oficiais oriundos da GEB e do CPOR/RJ, e da outra parte oficiais ex-PMs vindos do Rio, sendo que à época a escola de formação de oficiais da PM no Rio pedia apenas ginasial completo para ingresso. Com isso as possibilidades de promoções apertaram, e seríamos comandados por capitães, majores e coronéis vindos do Rio, com formação totalmente diferente da nossa, com vícios policiais e outros. Daí preferi, já que estava formado em direito, ficar no setor civil (e estava bem, lotado na Interpol), com possibilidades de ser delegado mais adiante. Assim passou o primeiro semestre do ano, com os planos de retorno, já noivo, fazendo o enxoval e estudando (doutorado em direito público na faculdade nacional de direito, na qual tivera acesso direto por conta de meu histórico escolar da Cândido Mendes, já que o requisito era não ter nenhuma nota abaixo de sete por disciplina durante os cinco anos do curso de bacharelado, e média geral final acima de oito - e eu tinha oito e quatro décimos). Este curso era de dois anos e muito bom. Até julho, pois, muito trabalho, estudo e sonhos. Madeira

quinta-feira, 8 de maio de 2008

vivencias-madeira-cronológica (1964/5)



1964: namoro firmíssimo, trabalho, esporte em dia: era então a hora de conhecer os familiares mais próximos de Terezinha (e ela os meus). De cara fui apresentado aos mais chegadas a ela, além de Ivone e pais, que eram a madrinha dela e a prima: Dona Arlete e Arminda. Dona Arlete era também uma figuraça. Aparentemente a calma personificada, e na realidade bem elétrica. Espírita, foi das primeiras pessoas com quem aprendi a (hoje) minha doutrina. Através dela Terezinha (anos depois) teve acesso ao espírito de luz (nesta encarnação) chamado Chico Xavier. Sempre a visitávamos no apto da Praça Mauá, e éramos magnificamente recebidos. Suas lembranças, que fizeram parte do nosso enxoval, eram panos de prato finamente decorados e sabonetes embalados artesanalmente, tudo feito e dado com muito carinho. Guerreira, depois de viúva prematuramente entregou-se à criação e educação da filha única, Arminda, com quem tinha (e tem) uma simbiose perfeita. Em muitas oportunidades convivi com Dona Arlete, e só tenho excelentes recordações de cada encontro, de cada momento, seja pelas conversas edificantes, seja pelo carinho e pela atenção que sempre me dedicou, muitas das vezes muito pelo olhar inesquecível, a um só tempo firme e carinhoso. Valeu Dona Arlete, você é uma das pessoas que espero reencontrar no Mundo Maior. Arminda, minha comadre amada, companheira de Terezinha na adolescência, prima-irmã pelas afinidades, é parte forte de minhas vivências. Ninguém mais do que ela e o esposo, o compadre Oswaldo que amo com paixão viveram e conviveram comigo, com Terezinha e com todos os meus sem quaisquer reservas ou dificuldades, tanto nos momentos de alegria quanto nos momentos de dor. Arminda, com a genética de Dona Arlete, efetivou também uma total e completa simbiose com a também filha única, minha afilhada Anna Luiza. Guerreira, entregue à filha e ao esposo, marca pela alegria, pela emoção, pela dedicação às pessoas e causas que ama, sendo um exemplo de esposa e mãe (e, para mim, um modelo de comadre). Inteligente e companheira, dedicou-se profissionalmente ao magistério e foi a professora que marcou cada e todos os seus alunos, o que se comprova pelo amor que estes (do Colégio Andrews) lhe transmitem. Não me é possível escrever toda a minha admiração por esta comadre, e sei que tal sentimento é extensivo aos meus filhos e netos, que inclusive volta e meia a ocupam em suas idas ao Rio. Valeu comadre, que possamos estar próximos ainda por algum tempo - e depois façamos grandes encontros no Mundo Maior. Os outros parentes de Terezinha (tios, primos etc) sempre me trataram muito bem, mas não tivemos ligações tão fortes. Os pais de Ivone - Seu Antônio e Dona Alice - e as primas Ivete e Ilma foram aqueles com os quais mais nos encontramos, mas não o suficiente para imprimir marcas tão fortes como essas. Dos meus parentes só mesmo meu irmão - e guru - Sidônio (e seus familiares mais próximos) é que foi apresentado e ligou-se à Terezinha. Os demais não tiveram peso na nossa vida. Mas valeu. Madeira

quarta-feira, 7 de maio de 2008

vivencias-madeira-cronológica (1964/4)



1964: enquanto eu vibrava na BIB, Terezinha trabalhava na Mesbla, a maior loja de departamentos do Rio, situada na Lapa em frente ao Passeio Público, de frente para o aterro da Glória, em um prédio de nove andares próprio e utilizado somente por ela, tendo como símbolo um relógio no topo que até hoje (a Mesbla não mais existe) é conhecido como o relógio da Mesbla. As lojas de departamento (à época existia outra grande no Rio, a Sears) foram as precursoras dos shoppings, pois reuniam todos os artigos passíveis de comercialização em um só local - com tudo pertencendo a uma só empresa. A Mesbla vendia de tudo, até aviões de pequeno porte e lanchas, além de miudezas como bijuterias. Era de origem francesa, como algumas de suas gerentes. Loja chique, vendia somente artigos de primeira qualidade. Seus vendedores passavam por uma seleção rigorosa, cursos continuadamente e vestiam-se de forma impecável, com belos uniformes. A família de Terezinha tinha origem humilde, sendo o pai José Coelho, português, possuidor de uma inteligência apurada mas de poucas letras - como quase todo imigrante luso -, e tinha inclusive levado a esposa, a filha e a sobrinha Ivone para uma temporada em Portugal, onde nasceu o único irmão de Terezinha, o Ismael. Depois de alguns anos voltou ao Brasil, tendo - como era típico dos lusitanos - se estabelecido com um comércio (um bar). A mãe, Hilda Botelho Coelho, brasileira, filha de portugueses, raçuda e trabalhadora era a esposa dotada de gênio forte, ao contrário de Seu José, tranquilo, bom de papo. Formavam um casal que nada tinha em comum. Os negócios com o bar não deram resultado, perderam tudo e então viraram feirantes, com as dificuldades financeiras aumentando (e estas sempre existiram). Terezinha, aos quatorze anos, então idade mínima para trabalhar, candidatou-se a um emprego na Mesbla. Tendo sido aprovada, foi contratada e designada para trabalhar na seção de meias femininas, no térreo do prédio, sob a gerência de uma senhora francesa muitíssimo exigente (o que sempre é muito bom, pois força o desenvolvimento de quem quer crescer), enquanto que em paralelo a prima Ivone o era para trabalhar na seção de cama e mesa, no terceiro andar. Assim conheci Terezinha: pobre, trabalhando fora, sem poder estudar, inteligente, com muita garra. Pegava um ônibus para a Lapa cedinho (pois às oito horas já tinha de estar no trabalho), sempre em pé e espremida, e voltava quase sempre depois das vinte e duas, dada a necessidade de buscar a hora-extra. Muito bonita, com uma classe no vestir e comportar incomum, papo de primeira e personalidade forte, fortíssima. Todo esse conjunto impressionou-me e levou-me a um amor muito forte, e à certeza de que seria ela a companheira de uma vida a dois a ser construída. Desde o início procurei facilitar tudo para ela e protegê-la, indo buscá-la todas as noites e ficando ao máximo atento às suas necessidades e a dos pais. A feira nem sempre rendia bom dinheiro, além dos problemas com fiscais corruptos, e demandava sacrifícios imensos. Seu José tinha de ir comprar o que ele ia revender no dia (a feira era cada dia em um bairro diferente) de madrugada, no mercado central, o que correspondia a sair de casa às duas horas da manhã para comprar a melhor mercadoria, acertar a entrega na feira daquele dia, deslocar-se (tudo de ônibus) para a mesma, aguardar a entrega, montar a barraca e arrumar o que tinha sido comprado. Seu José era especializado em tomates. Só comprava e vendia tomates, e tinha freguesia certa pelo jeito tranquilo de vender. À tarde, acabados os tomates, tinha de desmontar a barraca, entregá-la para ser levada - para no dia seguinte ser entregue desmontada no outro local de feira - e então ia ao mercado central fazer a encomenda do material para o dia seguinte; ou seja, uma jornada que ia das duas da madrugada de um dia até as quatro/cinco horas da tarde, quando ele chegava em casa para almoçar. Em algumas feiras mais movimentadas Dona Hilda ia se encontrar com ele para apoiar na venda, o que quer dizer que ela saía às cinco/seis horas direto (de ônibus) para o local da feira e vinha pelas treze para casa. Eram dois leões trocando trabalho por subsistência, sobrevivendo. E quando chovia ou o tomate vinha ruim não tinha dinheiro. Por isso o dinheiro de Terezinha acabou sendo imprescindível. Assim os conheci e aprendi a admirá-los e honrá-los. Madeira

terça-feira, 6 de maio de 2008

vivencias-madeira-cronológica (1964/3)


Viaduto Engenheiro Alves Antônio de Noronha em Laranjeiras, 1964


O exército brasileiro veio, através do BIB, mais uma vez complementar meus princípios morais e laborais. Preguiça? Sono? Cansaço? Deixar pra depois? Nem pensar. É fazer e fazer corretamente no tempo certo, sem escusas ou desculpas, tudo aquilo que for de sua responsabilidade, de sua competência. Não existe o Eu não sabia. Errou, assuma o erro e arque com as conseqüências. Mentir, nem pensar. Qualquer comportamento inadequado é analisado, vem a aceitação do erro e a conseqüente aprendizagem para que não seja repetido o mesmo - ou, se não explicado, vem a punição. Lá, efetivamente, todos são iguais. O ditado militar de que toda falha pode ser explicada, mas nunca justificada é correto, pois explicar um erro é humano, mas se você sabia o que é correto fazer e não o fez, nada o justifica. Falar claro, em voz alta, olhando nos olhos do companheiro, superior ou inferior hierarquico, é obrigatório e de bom tom, pois não demonstra receio do olhar e mostra a convicção da posição assumida, exercida. Assim, mentira, falta de cumprimento dos deveres, falsidade, desobediência às regras conhecidas, nem pensar. Isto é tudo que me agrada na vida: seriedade no labor, amizade com companheirismo, autenticidade, coragem muito mais moral que física (esta certas horas é burra, animalesca), combate ao medo, nunca desistir das boas causas, honestidade, principalmente de propósitos (mais importante do que a financeira, pois a corrupção moral é destruidora do âmago), alegria de estar junto aos companheiros... Bem, respeito a todos e a tudo que tenha valor maior, como a pátria. O BIB me proporcionou um aperfeiçoamento de valores já inseridos fortemente em meu íntimo por meus pais, meu irmão, pelos irmãos maristas e pelo CPOR. Vibrava muito em cada dia de quartel pela chance de orientar, preparar os recrutas da cia de comando (dentro do batalhão a companhia responsável pelas missões diretas do comando do mesmo) onde estava como oficial-subalterno, comandante do pelotão de metralhadoras, ensinando os comportamentos militares e os princípios da vida em geral. Afinal, eram jovens de origem humilde, obrigados a servir e aos quais tínhamos a obrigação de passar valores que pudessem ajudá-los mais tarde na vida civil. Nos serviços de oficial-de-dia buscava a perfeição na realização das tarefas de segurança do quartel; nos acampamentos buscava preparar a tropa sob meu comando para a perfeita movimentação de combate; e nas competições esportivas buscava sempre, a todo custo, a vitória. Obviamente era titular nos times de oficiais em todos os esportes, praticando até o atletismo, representando o BIB em lançamento de granada e pertencendo à equipe de esgrima nas olimpíadas da divisão blindada - e depois do I Exército (fui logo eliminado pelos oficiais da AMAN, muito mais bem preparados nos esportes militares). Terezinha firme ao meu lado, e sempre que meu serviço de oficial-de-dia era no sábado ou domingo eu pedia permissão ao comando para que ela almoçasse no quartel comigo. Começamos a fazer os planos para o casamento, e havia a dúvida de onde morar e trabalhar. Voltava para Brasília (para o emprego guardado) ou, formado, tentava a vida de advogado no Rio de Janeiro? Madeira

segunda-feira, 5 de maio de 2008

vivencias-madeira-cronológica (1964/2)

1964: novo ciclo de vida - e quente, muito quente. Sem que eu soubesse, é lógico, estava chegado o momento de conhecer a mulher que ia ocupar a minha vida, constituir família comigo, dar-me o orgulho da paternidade, fazer-me feliz e principalmente ensinar-me uma série incomensurável de coisas que eu não tinha tido a percepção para conhecer. Ao retornar para Brasília, pós-revolução, no final de semana seguinte fui procurar o Egydio para, como era de costume, combinar passar junto o sábado e o domingo. Não o encontrei em casa e soube que ele estava na piscina de um hotel de luxo, próximo ao Pálacio da Alvorada. Fui até lá e o encontrei junto à sogra, a Dona Alice, e também ao lado da madrinha de sua esposa, a sua segunda sogra, a Dona Hilda - que criara a Ivone durante alguns anos, inclusive levando-a para Portugal - e da prima-irmã de Ivone, a Terezinha. Mal a conheci e me interessei por ela. Magra, muito bonita, papo cabeça, alto discernimento e de uma personalidade forte, que impressionava. Uma jovem de dezoito anos, do tipo que onde chegava marcava presença. Depois das apresentações e de um breve papo fui embora, pois tinha que trabalhar. Obviamente fui o assunto do papo após minha saída, devido à minha intimidade com Egydio e Ivone e a eles falarem muito de mim com Terezinha e Dona Hilda. Isto foi no dia cinco de abril e ficou marcado que no domingo, dia sete, eu iria almoçar com eles - e assim ocorreu. E também ocorreu que, acho que estrategicamente (Dona Hilda sempre foi um perigo quando queria algo), findo o almoço fomos - eu e Terezinha - deixados por todos, que se recolheram aos quartos, para lavarmos os pratos e conversarmos. Resultado: namoro iniciado, com cinema no final do domingo e visitas diárias durante os trinta dias de férias dela em Brasília. Resumindo: choveu na minha horta. Nunca fui de pular de namoro em namoro, só tinha tido um anterior de quase seis anos e agora estava de novo amarrado, amarradíssimo. Cartas, idas mais freqüentes ao Rio (agora aproveitava os feriados também), saudades mútuas e então Deus e nossos mentores resolveram colocar a mão sobre nós e checar se era isso mesmo: fui convocado para fazer um estágio de um ano, de tenente R2 (da reserva) no Rio de Janeiro, e aceitei correndo. Escolhi (tinha ótima colocação no curso, um terceiro lugar) para estagiar o 2º BIB (segundo batalhão de infantaria blindada), localizado ao lado da Quinta da Boa Vista, pelo portão próximo à estação de trem da Mangueira. O ministério da guerra (hoje ministério do exército) acertou a documentação de minha licença por um ano com o DFSP e em junho viajei para apresentar-me no BIB. Neste mesmo tempo, como eu já esperava, o IPM a que eu respondia foi arquivado pela Revolução, e eu cursava o último ano da faculdade (com o acompanhamento da OAB). Tudo se encaixando certinho, perfeito, com as bençãos dos meus mentores e, para completar, com uma namorada perfeita. Fui morar com meus pais, então residindo na rua Souza Franco, em Vila Isabel, próximo da Atlética Vila Isabel, no Boulevard 28 de setembro, já que meu pai tinha se aposentado, vendido a Padaria Laís e comprado um sobrado no número 462 dessa rua. Voltei a ser carioca. Desfiz-me de meu quarto e de meu enxoval de Brasília, voltei a freqüentar o Maraca, a ver minha turma de infância e até inscrevi-me para disputar o campeonato do departamento autônomo da federação carioca de futebol, agora pelo time da colônia árabe, o Senhor dos Passos Futebol Clube, nome da rua principal do bairro chamado Saara, no centro do Rio, onde ficam as lojas dos árabes, grandes comerciantes de varejo da cidade. Não voltei para o Confiança, o amor esportivo de minha vida, onde pela primeira vez calcei chuteiras e cuja camisa sempre amei pela simples questão de sentir-me em um outro nível. Não estava mais disposto a ir de caminhão com bancos de madeira aos jogos nos campos dos outros times, e coisas desse tipo. No Senhor dos Passos, que neste ano fez um timaço (a colônia tinha muito dinheiro, e o marketing futebolístico pesava muito), íamos de ônibus confortável e, além disto, as cores do time eram as do Fluminense. Fomos muito bem e até nos classificamos para as finais, sendo vice-campeões do D.A. Jovem, esportista, acadêmico de direito, já inscrito na ordem dos advogados como solicitador, oficial do exército, um namoro perfeito... Enfim, como sempre, uma vida não para agradecer a DEUS, mas para reverenciá-LO e a melhor forma de fazê-lo, hoje tenho a certeza, é a que meu pai me ensinou e meu irmâo pratica - ser correto em todos os momentos com todos ao redor; o que busco fazer, ainda que com as dificuldades próprias de um encarnado. Madeira

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