
Aldeias portuguesas: a vida como ela é, sem retoques
1950: tive a oportunidade, dada por meu pai, de conhecer e vivenciar, com a esperteza de um menino de dez para onze anos, mas criado no Rio de Janeiro, um país muito especial, berço principal do caldo cultural brasileiro, doador-mor da língua e dos nossos costumes em geral. Mas, principalmente, vivi o interior, a roça, observando a simplicidade, a crença, o trabalho, a integração familiar, o ver o tempo passar sem qualquer aspiração maior do que o simples viver cada dia, imerso em esperanças (do quê, não sei até hoje), mas com a gratidão de ter uma família, ter saúde e trabalho, sempre agradecendo a Deus o pouco que tivessem. Este conhecimento o tive, mais profundamente, na aldeia, mais atrasada ainda do que Argeriz, onde meu pai nasceu e onde conheci minha avó Ana Afonso Alves Dias, então com 92 anos, encovada, marcada pelo sol e pelo frio, mas rija, sem se queixar de nada (aliás, o pessoal do campo não reclama nunca de nada, ocorra o que ocorrer, mesmo que perca plantações ou animais, encarando como fatalidade, e entendendo que é regra do jogo da vida). A aldeia, mui justamente chamada Telhado, porque fica quase na fronteira com a Espanha, e em local muito alto, tinha como fontes de subsistência a agricultura familiar e a criação de cabras e ovelhas, atividade de meu pai desde pequeno, dez anos, em que ele, de manhã cedo, reunia os animais e os levava sozinho, morros acima, para que pastassem, com um pedaço de pão com presunto cru ou queijo de cabra como almoço, voltando ao fim do dia. Daí, certamente, o motivo que o levou a seguir os irmãos mais velhos que vieram para o Brasil, procurando uma vida melhor. Provavelmente, muito da sabedoria de meu pai veio das horas em que, sozinho, olhava a natureza e meditava sobre a vida. Em dezembro, fim de ano, chegou a hora do retorno, e de avião, um potente quadrimotor da companhia holandesa KLM, um Douglas DC6, em viagem que durou cerca de vinte e quatro horas, com um barulho de motores infernal, e com pousos em Dakar, capital do Senegal, na África, e em Recife, paradas onde todos tinham que descer do avião, para que ele fosse reabastecido (passeávamos pelos aeroportos, que não tinham nada em termos de lojas ou siimilares, para esticar as pernas, durante quase duas horas), e também para as aeromoças tirarem de bordo os saquinhos cheios do resultado do enjôo dos passageiros (era uma festa de vômitos). Finalmente, estávamos de volta ao Brasil, e eu cheio de novas para contar. Madeira