"Ando devagar/porque já tive pressa..."

"Ando devagar/porque já tive pressa..."
"Nessa loooonga estraaaaada da viiidaaa..."

Blog destinado a narrar as vivências do autor, através de suas opiniões sobre fatos vividos, e de marcações cronológicas, objetivando deixar para descendentes e amigos suas impressões sobre passagens de sua vida, abrangendo pessoas com sd quais se relacionou e instituições em que laborou, tudo com a visão particular, própria de todo ser humano, individualizada, pois cada pessoa tem sua forma de pensar, ser e viver. Madeira

quarta-feira, 26 de março de 2008

vivencias-madeira-cronologica (1955/3)


Auditório da Rádio Nacional


1955: com os estudos correndo tranquilamente e o futebol dominando a prática esportiva, o lazer ficava para as reuniões e brincadeiras da turma de rua. O Rio antigo tinha a característica de, certamente por ser pequeno e familiar, agrupar as pessoas pela proximidade das residências. Era comum todos nas ruas conhecerem-se uns aos outros, cumprimentarem-se, auxiliarem-se; as pessoas se sentavam às noites nas portas das casas para conversar, esperando o sorveteiro passar com deliciosos sorvetes caseiros, estes carregados às costas. O sorveteiro da nossa rua era de dia entregador de pão da padaria, e à noite vendia o sorvete feito por ele - daí o sorvete ser conhecido como o sorvete Laís, nome da padaria de meu pai, que porém nada tinha com o sorvete. Pela madrugada, os fregueses que pediam tinham na porta de sua casa a quantidade de pães e o litro de leite desejados, tudo anotado na caderneta do entregador e pago no fim do mês. Cada rua tinha uma carrocinha abastecida de pão e leite, que fazia normalmente seu itinerário e que possuía um número só seu. A Laís tinha seis carrocinhas e seis linhas. Quem precisasse comprar mais leite o fazia nas vacas-leiteiras, denominação de grandes tonéis de latão puxados por burros e conduzidos pelo leiteiro, que vendia o leite aos clientes em vasilhas de vidro do próprio freguês, nas quantidades que davam nas mesmas, normalmente um ou dois litros. Da mesma forma, os fregueses habituais não levavam o dinheiro durante o dia ao ir comprar algo no comércio do bairro. Era tudo anotado em grandes cadernos de capa dura, com a quitação no fim do mês. A faina de fazer o pão, entregue a padeiros e auxiliares, começava por volta das onze horas, com o aquecimento do forno à lenha. Enquanto o forno esquentava, os padeiros e auxiliares preparavam a farinha em grandes panelas, adicionando trigo, manteiga, sal, água e fermento nas quantidades apropriadas. Os doceiros preparavam os pães doces, os bolos e biscoitos de toda ordem. Pouquíssima coisa era industrializada ou comprada pronta. Prontos somente os refrigerantes e as balas, além das conservas em lata vendidas nas padarias e os frios (mortadela, presunto e queijos). Muitas vezes faltava o padeiro ou um auxiliar, meu pai era acordado (morávamos em cima da padaria) e lá ia ele fazer o pão, pois antes de ser o dono foi por muitos anos padeiro de ofício. A noite acordada não modificava os hábitos de meu pai, que no dia seguinte, às sete horas, abria as portas de ferro de correr para estar à frente dos negócios, tratando a todos com educação. O comércio então fechava para almoço, das doze às quatorze horas, e o nosso almoço era obrigatoriamente com todos juntos e, portanto, ao mesmo tempo, ocasião em que conversávamos sobre o dia e assuntos familiares. Notícias só as dos jornais, lidos diariamente por nós todos e que eram, à época, separados em matutinos (líamos, bem cedo, o Diário Carioca) e vespertinos (líamos, à noite, O Globo). TV não existia e rádio só para programas jornalísticos, dentre estes o Repórter Esso, da Rádio Nacional, o melhor em novidades. Também eram ouvidos futebol, novela e programas humorísticos, as outras atrações das rádios, dominadas pelas Rádios Nacional, Globo e Tupi. Os programas de humor mais famosos eram o Balança mas não cai e o PRK-30. Bom, depois do almoço meu pai pegava a jornada da tarde, que ia direto até às vinte e duas horas, quando então fechava a padaria. Algumas vezes eu ajudava lá, mas na verdade ia mais para pegar balas, doces e refrigerantes. À noite o lanche era de fartos sanduíches de presunto, com guaraná Antarctica ou Brahma. A Coca-Cola era então uma insurgente. Eu, às tardes e noites, após fazer todos os deveres de casa, ia me encontrar com a minha turma, a turma da rua José Higino. Madeira

terça-feira, 25 de março de 2008

vivencias-madeira-cronologica (1955/2)


A saudosa fábrica de tecidos de minha adolescência...


1955: com a independência e o meu amor pelos esportes, veio a grande novidade, que foi passar a fazer parte de times organizados, com inscrição em federações e disputa de campeonatos oficiais, não mais somente no colégio, nas equipes da sala, nos inter-classes e em competições escolares, nos inter-colegiais. O futebol de salão engatinhava, com uma bola pesadíssima, cheia de serragem, e não valia gol feito de dentro da área; as faltas só podiam ser cobradas diretamente a partir de seu campo de defesa, e isso não era atraente porque facilitava o controle da bola pelos grossos, dificultando a prática da arte futebolística. Comecei pelo futebol a minha carreira amadora de esportista. Próximo de casa, coisa de uns dois quilômetros, havia um clube de uma fábrica de tecidos (com a companhia da Bangu, a maior do Rio de Janeiro), o Confiança Atlético Clube, com sede e campo próprios, tricolor (verde, vermelho e preto) que tinha times infanto, juvenil (jogavam nos domingos pela manhã), amadores, aspirantes e principal (jogavam nos domingos à tarde), e eu já tinha ido lá ver jogos em dezembro, janeiro e fevereiro, época em que o Maracanã e o futebol profissional estavam de férias. Clube de gente simples (mas respeitadora, operários fabris de Vila Isabel), de que aprendi a gostar e a ele me dediquei. Resolvi experimentar então um campo oficial e jogos com juiz, súmula, etc... No Marista eu jogava no gol ou de beque, conforme a vontade. No Confiança, ao ver o tamanho do campo e face ao prazer de ser um estraga-prazeres (evitar um gol é um orgasmo tão grande quanto fazê-lo), apresentei-me para o teste como goleiro, e no primeiro treino fui convocado para o time infanto, que era da idade dos quinze aos dezoito anos. Daí à titularidade, e a ser capitão do time (e ídolo da torcida feminina, principalmente), foi rápido. Afinal, eu era um dos poucos com todos os dentes, louro, alto para a idade, gestos finos, e que chegava para treinar de sapatos, mais outros quesitos que me tornavam diferente dos demais. Às quintas-feiras à tarde, às dezesseis horas, tínhamos o treino individual e depois o coletivo, e aos domingos pela manhã jogávamos às oito e meia, antes do juvenil (que entrava por volta das dez e meia). O técnico, um empregado da fábrica, era o Duca, um crioulo simpático e muito esperto, respeitador, amigo e disciplinador, e todos o obedeciam, visando a titularidade. Eu tinha missa no colégio às sete horas e era uma correria, pois saía mais cedo escondido, pegava a caderneta com o colega que as detivesse e ia pro bonde correndo pra jogar; era complicado, mas sempre deu certo. No Confiança tínhamos todo o material, que era cuidado pelo Seu Almeida, roupeiro e zelador, aposentado da fábrica que morava em um canto do campo com a família, em uma casinha. Seu Almeida era grande, forte e muito grosseiro, mas sempre tive um excelente relacionamento com ele, pois o tratava muito bem. Valeu Confiança, onde aprendi a ter confiança em mim, em um ambiente novo e de um nível diferente, nível ao qual me adaptei, pois nunca tive frescuras; valeu Confiança, onde também aprendi a competir, buscando com denodo a vitória, e tendo como troco apenas um sabor, sem qualquer outra compensação: o sabor da missão cumprida com sucesso. Madeira

segunda-feira, 24 de março de 2008

vivencias-madeira-cronologica (1955/1)


Com essa magrelona caí no mundo e aprontei um bocado!


1955: este foi um ano totalmente novo para mim. Em outubro de 1954 fiz quinze anos, e meu pai, dentro de seu pragmatismo, chamou-me e disse que acreditava que eu já tinha aprendido os comportamentos corretos de um homem, que saberia respeitar os outros, minhas obrigações de estudo, meus horários, e me autorizou a ter amigos, a sair só, inclusive às noites; deu-me cópia das chaves de casa e uma pequena mesada (eu efetivamente não precisava de nada, face a ter tudo com que uma criança ou adolescente precisasse gastar dinheiro, na padaria dele, a mão, e sem restrições). Com isso, caí no mundo, mas sabendo que se errasse ia receber a compensação de uma surra homérica. Os erros consideravam-se aí ele saber de comportamentos irregulares por algum freguês da Padaria, más notas no colégio, perda dos horários de refeição ou algo que eu deveria ter feito e de que me esquecera. Meu pai era muito querido pelos clientes, por sua honestidade e fino trato, e com isso tinha uma rede de informantes e tanto. Para aumentar a minha autonomia, ganhei uma bicicleta Monark, azul, pesada, com pneu balão e freio contrapedal. Virei dono do mundo e aprontei todas, mas com o máximo de cuidado para não contrariar as regras do jogo, ou a pancada comeria no meu lombo. Então surgiu definitivamente a paixão por esportes terrestres, em especial o futebol, mas sempre também participando de times de vôlei, basquete, atletismo e ciclismo, já não só no Marista, mas também nos times da rua e do bairro. Também começou a fase do namoro e era muito bom. 1955 foi, portanto, o início da vida de responsabilidades: estudar, aprender, me divertir, mas tudo com objetivos sadios e com obrigações de horários e de fazer o correto, o que me serviu de norte para o resto da vida. Madeira

quarta-feira, 19 de março de 2008

vivencias-madeira-cronológica (1951/54)



1951/54: de 51 até 54 a vida seguiu no mesmo diapasão. Durante o ano escolar, pelas manhãs aula no Externato São José, às tardes estudo (deveres de casa) e às noites escutar rádio, sem nunca perder dois seriados de aventuras, que eram Jerônimo, o herói do sertão (aventuras de um justiceiro no interior do Brasil), e o Anjo, um detetive que desvendava casos policiais. Brincadeiras, apenas dentro de casa, quando jogava botão comigo mesmo, ídem na bola de gude e, quando vinha algum parente ou amigo nos finais de semana, brincava com eles de pique, esconde-esconde e carniça. Dormia cedo, porque fazia bem à saúde (leia-se ordens paternas), e acordava cedo para tomar café e ir para o colégio. Nas férias, só não piorava (face a não ter aulas pelas manhãs) porque aparecia o meu salva-vidas Sidônio, meu irmão. Com ele eu descolava uma praia, Maracanã (neste eu ia aos domingos com meu padrinho Arthur, depois dos almoços dominicais), um filme, um passeio; as férias, graças ao Sidônio, eram uma maravilha. Aos sábados e domingos existiam as visitas aos parentes e amigos, e com isso eram dias mais movimentados. Meu pai tinha a filosofia de que a rua era para homem, para quem pudesse assumir a responsabilidade pelos seus atos, e que lugar de criança era em casa, estudando ou brincando - mas em casa. No colégio, tudo ia bem no quesito aprendizagem. Nunca fui primeiro colocado, mas nunca estive, em turmas de quarenta alunos, atrás do décimo (minha pior colocação), sempre ficando, mês a mês, em quarto, quinto lugar. Nunca fui primeiro não só por não me matar de estudar (quando achava que já sabia, parava de estudar), mas também porque eu - assim como meus pais - nunca babei o ovo dos maristas, o que certamente (hoje tenho essa certeza) ajudava em alguns quesitos nos conselhos de classe. Quanto à disciplina, meu nome pouquíssimas vezes apareceu no chamado quadro de honra, que indicava os modelos de alunos. Eu vivia brigando com os professores (todos, menos um de geografia, o professor Tarlé, eram irmãos maristas), tanto pelas obrigações, naquela época já retrógradas, como por ser alterado (hoje os médicos chamariam de hiperatividade; naquele tempo, diziam simplesmente que eu tinha o bicho-carpinteiro). Brigava, e muito bem, e não tinha medo de nada, nem de professor, desde que eu estivesse com a razão; defendia os mais fracos, sempre que sacaneados, e com isso vivia escrevendo linhas, ou ficando, após as aulas, durante uma hora virado para uma árvore, de castigo. Tudo leve, tanto que só uma vez fui suspenso. Com a descoberta do futebol, comecei a jogar pelo time da sala nos campeonatos internos, no campinho de terra de sete contra sete, e sempre capitaneei os times das turmas pelas quais joguei. Eram três salas, letras A, B e C, com às vezes até quatro salas por ano - entrando aí, pois, a D. O Externato era um dos melhores colégios do Rio, procuradíssimo. As turmas não se repetiam, eram compostas aleatoriamente (julgo que pela ordem de matrícula, mas pela letra inicial do nome), e com isso tínhamos muito esporte, com um torneio em cada semestre, e vários esportes terrestres: futebol, basquete, vôlei e atletismo. Por isso, nunca pratiquei esportes aquáticos, e hoje todas as juntas doem. Essa foi a minha vida entre 51 e 54. Madeira

terça-feira, 18 de março de 2008

vivencias-madeira-cronologica (1951/3)


Maracanã, anos 50


1951: ainda sobre os meus primeiros contatos com a segunda paixão do brasileiro (a primeira, exceto para alguns, o que é bom pois sobra mais mulher por metro quadrado, é o sexo feminino), o futebol. Lembro que não existia propaganda nas camisas. A propaganda limitava-se às placas móveis, nas laterais do Maracanã e em lugares pré-determinados nos demais estádios, sempre sem ter mais relevo que as cores do clube. Torcidas organizadas, nos moldes atuais, verdadeiros bandos ensandecidos, a maioria mantida por dirigentes desonestos, para fins eleitorais no clube ou na política, também não existiam. Havia torcidas uniformizadas que se reuniam dentro dos estádios, em lugares marcados pela tradição (à direita ou à esquerda das cabines de rádio), e que tinham charangas, bandinhas que tocavam músicas de carnaval ou o hino do clube. Famílias iam completas ao campo, sem qualquer problema, e era possível parar o carro nas imediações, sem maiores riscos. Assistia-se ao jogo, salvo na área das uniformizadas, com a camisa de seu clube, misturado a torcedores de outros times, com suas camisas, sem brigas. Estas eram raríssimas, mas as gozações já eram ferozes. Havia uma prática, bem carioca, que era o bolo: alguém escrevia em pedaços de papel o nome dos atacantes dos dois times, e pagava, quem queria concorrer, uma quantia combinada (cinco reais de hoje, digamos, pela aquisição de um nome); ganhava o montante arrecadado aquele que estivesse com o papel com o número da camisa do autor do primeiro gol. Não valia gol de penalty, nem de defensor. Caso algo assim ocorresse, ficava valendo para o gol a seguir. Este era o bolo do jogo. Se a partida terminasse no zero a zero, devolvia-se o dinheiro, ou, se os apostadores se conhecessem, acumulava-se o total para o jogo seguinte. Havia também o bolo da rodada, feito durante a semana, e no qual se apostava o resultado dos jogos, ganhando aquele que fizesse mais pontos. Exemplo: acerto do placar, cinco pontos; do resultado, sem acertar o escore, mas dizendo que seria empate ou quem seria o vitorioso, três pontos; acerto dos gols de um dos times, dois pontos; e assim chegava-se a quem ganhava, que era quem tivesse feito mais pontos. Eram os bolos da semana. Destes costumes é que a Caixa Econômica tirou a idéía da loteria esportiva. A temporada tinha início com um torneio municipal, sempre após o carnaval, que era um mini-campeonato entre os clubes grandes, para mostrar contratações etc. Este foi depois extinto. A seguir, no Rio, vinha um torneio muito importante, que era um legítimo campeonato brasileiro, face ao poderio futebolístico estar concentrado nessas áreas, que era o Rio X São Paulo, disputado apenas pelos grandes clubes, bases da seleção brasileira (nunca antes do Maracanã um jogador de outro estado foi convocado para a seleção), ou seja: Flu, Fla, Vasco, Botafogo, Corinthians, São Paulo, Palmeiras e Portuguesa de Desportos. O Santos ainda era um clube pequeno (pré-Pelé), e o América não tinha torcida, mas depois ambos foram incorporados a este torneio. O campeonato regional, o da capital federal, começava no meio do ano, pois após o Rio X São Paulo todos os grandes clubes iam excursionar pela Europa, pelo México, pela Argentina, pelo Uruguai... Enfim, por centros afamados e que rendiam bons contratos, mais uma fonte de renda, enquanto que a seleção brasileira disputava copas com os países da América do Sul, como a Copa Roca, com a Argentina, e a O´Higgins, com o Chile, ou de dois em dois anos o campeonato sul-americano, intercalado com o pan-americano. Madeira

segunda-feira, 17 de março de 2008

vivencias-madeira-cronologica (1951/2)


Flu 51 - uma boa idéia


1951: este foi um ano especial para mim, pois foi o de introdução ao Maracanã... Antes, nunca havia visto uma partida de futebol, pois meu pai não gostava (dizia que futebol não dava camisa a ninguém, e de fato, à época, não dava mesmo). No colégio em que fiz o primário, a atividade física era a ginástica calistênica (um tipo de exercício leve, baseado na movimentação de braços e pernas), e nada mais. Em Portugal, nem pensar em futebol, pois então a bola portuguesa era bem quadrada. No Rio, capital federal, tínhamos cinco times grandes, ou seja, tradicionais: Fluminense, Flamengo, Vasco, Botafogo e América, basicamente clubes sociais e que representavam bairros, colônias ou grupos sociais. O Fluminense era sinônimo de zona sul (que terminava no Leblon, em termos de população) e de pessoas abastadas. O Flamengo era de pessoas mais pobres, principalmente negros e operários, que lotavam a geral, localidade nos campos mais barata, e na qual se via o jogo em pé. O Vasco era da colônia portuguesa, de adeptos do remo e de São Cristovão, bairro importante e rico então. O Botafogo, da classe média e também do pessoal mais abastado da zona sul. O América representava a Tijuca e bairros adjacentes, uma nova classe média que surgia ali. Todos tinham muitas atividades sociais, tais como bailes de debutantes, festas da primavera e bailes de carnaval, e disputavam, com times formados por associados, os campeonatos dos esportes de que os sócios mais gostassem, tipo vôlei, basquete, remo, atletismo e outros que fossem oferecidos pelas federações respectivas, e que eram verdadeiramente amadores (amavam as cores do time e as defendiam com ardor). Havia também os clubes dos subúrbios, pequenos pelo poder aquisitivo, pois as grandes fontes de arrecadação eram o quadro social e a renda dos jogos. Os clubes pequenos dividiam-se conforme a linha de trem que servia o local. Eram da Leopoldina (nome da companhia de trem que atendia a região), Olaria, Bonsucesso, Central (a principal, com mais subúrbios, e mais populosos) Madureira e Bangu. O São Cristóvão, que na década de 20 tinha sido grande e muito importante, já estava como pequeno. Os pequenos também sobreviviam das festas que promoviam. O campeonato era disputado em turno e returno, pelo sistema de todos contra todos, com jogos no turno no campo de um, e no returno no campo do outro. A sistemática de contagem de pontos era a de pontos perdidos, corridos, ou seja, não se ganhavam os pontos, tratava-se de não perdê-los. Derrota equivalia a perder dois pontos, e no empate cada um perdia um. Ao final do campeonato, o que tivesse menos pontos perdidos era o campeão. E, em 1951, a novidade era que os grandes podiam jogar no Maracanã ou em seu campo, mas no returno tinham de ir jogar no campo do pequeno, acanhado e com a torcida em cima. No campeonaro carioca de 1951 passei a freqüentar o Maracanã, nas tardes de domingo, e que era perto da casa do meu avô Madeira, coisa de mais ou menos um quilômetro, onde almoçavam em família todos os membros do clã Madeira, filhos e cônjuges. Era levado ao Maracanã pelo meu padrinho Arthur e pelo meu mano Sidônio, este quando no Rio, nos jogos do Fluminense, pois ambos eram tricolores - e o Fluminense foi o campeão carioca de 1951. Comecei bem. Madeira

domingo, 16 de março de 2008

vivencias-madeira-cronológica (1951/1)



1951: retorno de Portugal e novo modus-vivendi, totalmente diverso dos anos de primário e da vida de criança pequena. Meu pai de volta ao comando da Padaria Laís, à rua Antônio Basílio 198, esquina da rua José Higino, e nós morando em cima, com minha mãe entregue às tarefas domésticas, auxiliada por uma empregada, negra, alta, forte, chamada Dora, com um defeito em uma das pernas, que tornava difícil o seu andar (andava de bengala e se arrastando), que morava conosco, em um quarto imenso para os padrões atuais de dependências de empregada, e era tratada como alguém da família, efetivamente. Nas redondezas existiam alguns marcos, como um quartel do Corpo de Bombeiros em frente à Padaria, o rio Maracanã atrás do quartel e, do outro lado do rio, a fábrica de cerveja da Brahma, que balizava nossa vida, pois tocava o apito de início dos turnos de trabalho, pontualmente, às 06 e 45 (apresentação dos operários, para bater ponto e ingressar nas dependências da fábrica), às 7 horas (início dos trabalhos de fabricação, engarrafamento e distribuição), às 11 horas (parada para o almoço), às 12 horas (retorno pós-almoço) e às 16 horas (fim do dia de trabalho). Assim, todo o bairro e adjacências sabia que horas eram nos dias úteis. Vale lembrar que a Brahma era a única fabricante de cerveja no Rio, pois as outras existentes estavam em São Paulo (a Antártica Paulista) e em Petrópolis (a Itaipava). Nos estudos, após uma prova sobre os conteúdos das quatro séries primárias, basicamente um ditado, uma redação e questóes sobre as quatro operações, fui admitido no Externato São José, no admissão. Nessa época terminava-se o primário, e era necessário fazer um ano do denominado admissão, que era uma espécie de aprendizagem de transição entre o primário e o ginásio, e que visava preparar a criança para as novas dificuldades da aprendizagem: disciplinas mais complexas como latim, matemática, ciências, música, desenho e outras, com professores especialistas. Também me deparei com uma grande novidade, que era locomover-me só. O colégio ficava à rua Barão de Mesquita, 164, dois quilômetros distante de minha casa, e a ele eu chegava de bonde (o 64, Aldeia Campista, ou o 70, Andaraí), a partir do ponto em frente ao quartel da PE, Polícia do Exército, tropa de elite. Como era perto, sempre que podia eu saía mais cedo e ia a pé, para com o dinheiro do bonde tomar sorvete, única gulodice que não tinha na padaria de meu pai, sendo que às demais (bolos, biscoitos, doces, chocolates, balas) eu tinha livre acesso, pois meu pai nunca me proibiu de comer nada, apenas eu era obrigado a, nas horas das refeições, comer tudo que estava no prato (e minha mãe que colocava), não podendo deixar restos, estragar comida. Madeira

sábado, 15 de março de 2008

vivencias-madeira-cronologica (1950/5)


Aldeias portuguesas: a vida como ela é, sem retoques


1950: tive a oportunidade, dada por meu pai, de conhecer e vivenciar, com a esperteza de um menino de dez para onze anos, mas criado no Rio de Janeiro, um país muito especial, berço principal do caldo cultural brasileiro, doador-mor da língua e dos nossos costumes em geral. Mas, principalmente, vivi o interior, a roça, observando a simplicidade, a crença, o trabalho, a integração familiar, o ver o tempo passar sem qualquer aspiração maior do que o simples viver cada dia, imerso em esperanças (do quê, não sei até hoje), mas com a gratidão de ter uma família, ter saúde e trabalho, sempre agradecendo a Deus o pouco que tivessem. Este conhecimento o tive, mais profundamente, na aldeia, mais atrasada ainda do que Argeriz, onde meu pai nasceu e onde conheci minha avó Ana Afonso Alves Dias, então com 92 anos, encovada, marcada pelo sol e pelo frio, mas rija, sem se queixar de nada (aliás, o pessoal do campo não reclama nunca de nada, ocorra o que ocorrer, mesmo que perca plantações ou animais, encarando como fatalidade, e entendendo que é regra do jogo da vida). A aldeia, mui justamente chamada Telhado, porque fica quase na fronteira com a Espanha, e em local muito alto, tinha como fontes de subsistência a agricultura familiar e a criação de cabras e ovelhas, atividade de meu pai desde pequeno, dez anos, em que ele, de manhã cedo, reunia os animais e os levava sozinho, morros acima, para que pastassem, com um pedaço de pão com presunto cru ou queijo de cabra como almoço, voltando ao fim do dia. Daí, certamente, o motivo que o levou a seguir os irmãos mais velhos que vieram para o Brasil, procurando uma vida melhor. Provavelmente, muito da sabedoria de meu pai veio das horas em que, sozinho, olhava a natureza e meditava sobre a vida. Em dezembro, fim de ano, chegou a hora do retorno, e de avião, um potente quadrimotor da companhia holandesa KLM, um Douglas DC6, em viagem que durou cerca de vinte e quatro horas, com um barulho de motores infernal, e com pousos em Dakar, capital do Senegal, na África, e em Recife, paradas onde todos tinham que descer do avião, para que ele fosse reabastecido (passeávamos pelos aeroportos, que não tinham nada em termos de lojas ou siimilares, para esticar as pernas, durante quase duas horas), e também para as aeromoças tirarem de bordo os saquinhos cheios do resultado do enjôo dos passageiros (era uma festa de vômitos). Finalmente, estávamos de volta ao Brasil, e eu cheio de novas para contar. Madeira

sexta-feira, 14 de março de 2008

vivencias-madeira-cronológica (1950/4)


Aos mares!


1950: as aldeias próximas eram visitadas por mim, acompanhando meus pais, e assim, dentro do mesmo diapasão de Argeriz, conheci, visitando parentes e amigos, Argemil (são nomes de origem moura, a partir das inúmeras ocupações que a Lusitânia, terra dos lusos, povo nativo, sofreu, fruto de ser a porta de entrada da Europa, quando de qualquer ocupação bárbara), Ribas e as duas maiores, Carrazedo e Valpaços, esta sede administrativa do Conselho (seria a capital do estado). Também meu pai, ansioso por nos mostrar a terra natal, e rever locais e amigos, nos levou a várias partes da Pátria-Mãe, e conheci Coimbra (base da educação superior em Portugal, afamada e renomada fazedora de doutores), Oporto (como eles chamam), que banhada pelo rio Douro, é a capital mundial do vinho, em especial do licoroso vinho do Porto, e que na realidade tem suas caves na cidade em frente, Vila Nova de Gaia, onde estão os principais fábricantes, Lisboa, capital, cidade cosmopolita, de noite atraente, praias belas (a Costa do Sol), e que tem nas cercanias lugares maravilhosos, tais como Sintra, Mafra e Cascais (cidade gêmea de Vitória). Todos locais belíssimos, que respiram histórias de grandeza, de lutas que permitiram, a um pequenino país, tornar-se um gigante cultural. Conheci também um povo muito trabalhador, extremamante religioso, afetuoso, sem qualquer preconceito (tanto que, dos conquistadores da Idade Moderna, foi o que mais se miscigenou, posso até dizer que o único), e que possui sempre a mesa farta para receber os amigos e os viajantes em geral. E as festas? A maioria de fundo cristão, de uma crença no poder divino impressionante, com tradições emocionantes e muita alegria; um povo musical, que nos toca a alma ao som sofrido de um fado, o que melhor representa essa nação e seu destino grandioso de vencer, com muita dificuldade, mas vencer sempre. Madeira

quinta-feira, 13 de março de 2008

vivencias-madeira-cronologica (1950/3)


Vacilei e tomei aquela surra... E olha o carro de bois passando, gente!


1950: em Argeriz, o colégio funcionava em uma sala da casa do professor, indicado pelo governo, e constava de uma sala simples, com cerca de quinze alunos, que muitas vezes faltavam, pela necessidade de ajudar os pais no trabalho, e eram todos eles meninos. Estudava-se religião (catecismo, pois Portugal era e é muito religioso, na verdade católico, apostólico e romano, sendo os padres, no interior, semi-deuses), aritmética e a língua-pátria, o português, castiço, bem puro, com um forte sotaque luso. Eu, como ouvinte (gentileza do professor Martins, que era muito amigo de meu pai), fazia as provas em caráter extraordinário, e não encontrava qualquer dificuldade, pois vinha de estudo regular em uma das melhores escolas religiosas do Rio, capital federal. No entanto, muito bem educado por meu pai, ficava na minha e nunca fui orgulhoso ou metido a sabe-tudo, respeitando as dificuldades dos pequenos interioranos locais. Afinal, eu sabia o que era luz elétrica, água corrente e outras modernidades, o que não podia explicar aos que nunca tinham saído da aldeia (e eram muitos). Mas a vida era boa e muito interessante, tudo era novidade para mim e as descobertas, continuadas. Desde o cultivo da terra, a colheita das uvas (denominada vindima), o preparo do vinho, com a entrada dentro do grande barril onde eram depositadas as uvas colhidas, que passavam pelo processo de moagem, que consistia em homens e mulheres as pisarem sob o canto de músicas locais, algumas vezes com alguém tocando um tipo de acordeão (eu a fiz - a moagem -, muitas vezes), passando pela condução de rebanhos, pelo malhar o trigo (açoitava-se o milho na eira, depois de sua secagem ao sol, com grandes varas, para os grãos se soltarem, separando-os assim das vagens) e pelos passeios em carro de bois. Neste consegui a proeza, que deve ser única na história de Portugal, de capotar: pedi ao empregado para tocar o veículo, que constava de dois bois puxando um carro pesado, de duas rodas de madeira enroladas em ferro fino, para não se desgastarem com rapidez, e em cima carregava-se o que era preciso: barris, trigo... Enfim, qualquer coisa. A parelha de boi é presa ao carro por uma haste que passa entre os dois bois. Na condução do carro os bois são tocados por uma vara longa, com a qual são batidos, assim tendo a sua direção indicada; quando está pesado ou há qualquer dificuldade, e se necessita forçar o animal, há na ponta um prego, com o qual o espetamos. Bem, no comando, fui espetando-os, para fazê-los correr em um caminho que estava limpo, sem obstáculos, e os bois começaram a correr. Para meu azar, havia uma pedra, e uma das rodas passou sobre ela; o carro tombou fora do caminho, ficando todo torto. Eu, malandro, quando vi a besteira, pulei fora do carro e ninguém acabou magoado... Bom, depois de tirar os bois do atrelamento e desvirar o carro, não escapei, é óbvio, de uma boa surra. Madeira

quarta-feira, 12 de março de 2008

vivencias-madeira-cronologica (1950/2)



1950: estabelecido em Argeriz/Valpaços/Trás-os-Montes em fevereiro deste ano, deparei-me, aos 10 anos de idade, com alguns grandes e novos desafios, como entender o que os portugueses falavam e fazer-me entender. Entre outras coisas, aprendi que português não se machuca, e sim se magoa, e então durante algum tempo ganhei o apelido de Seu Machuca, por ter em determinado momento, ao me arranhar, dito "me machuquei"... Aprendi a dificuldade e a diferença, para mim monstruosas, de viver em uma cidade como o Rio de Janeiro e no interior, à época, sem luz elétrica, sem carros (apenas às 8 e às 17 horas passava o pequeno ônibus que conduzia os passageiros até Valpaços, a cerca de 9 km de Argeriz; fora isto, era a cavalo ou carro de bois), sem telefone ou jornais, e o tétrico, com o banheiro ou retrete (nome luso), fora de casa, sem iluminação, sendo um buraco, onde ao terminar jogava-se terra ou cal sobre as fezes, fechando-se depois a porta da retrete por causa das moscas. O dia tinha início ainda muito escuro para todos, trabalhadores e patrões, aqueles pegando ferramentas ou os animais e estes preparando o almoço para eles levarem, constituído no geral de vinho em odres de couro e pão caseiro com presunto cru (delícia). Isto na faixa de três/quatro horas da manhã, com qualquer tempo. Eu, é óbvio, à luz das lamparinas (pequenas) e candeeiros (grandes), todos constantes de azeite como combustível e pano como mecha, acompanhava tudo, curioso... Às nove ou dez horas ia para a escola, uma espécie de aluno-ouvinte, com intervalo das 12 às 14 para almoço e retorno à tarde, quatro/cinco horas. Nos intervalos, muita brincadeira de subir em árvores e comer frutas de todo tipo, não frutas como as brasileiras, mas maçãs, pêras, figos, amoras, uvas de todos os jeitos e cores, morangos, cerejas... Logicamente, cada uma em sua época, culminando no Natal com as célebres castanhas. As noites eram regadas por muito vinho e pão, e principalmente muito papo, com amigos reunidos em redor da lareira, se frio, ou sob a luz da lua, na varanda, se quente. Nestas conversas meu pai destilava a sabedoria própria da idade e das experiências vividas, e eu me embebia dos bons exemplos, oriundos da história de vida de luta honesta e corajosa de um jovem que, aos quinze anos, emigrou para o Brasil em busca de uma existência melhor do que a de um pastor de cabras e ovelhas, na fronteira de Portugal com a Espanha. Madeira

terça-feira, 11 de março de 2008

vivencias-madeira-cronologica (1950/1)



"Adeus, adeus, ó Giriz
As costas te vou voltando
Minha boca se vai rindo
E o meu coração vai chorando."



1950:fim do então curso primário no Colégio Santa Therezinha de Jesus e meu pai resolve deixar a padaria Lais com um gerente e passar um ano em Portugal em sua propriedade rural,levando-nos,eu e minha mãe Aracy,para conhecermos Portugal como um todo.Assim moramos lá por todo o ano,em uma aldeia em Trás-os-Montes, Argeriz,onde ele tinha essa propriedade.No início do ano,embarcávamos em um navio argentino,o Corrientes(eram dois navios gêmeos-o outro era o Salta, ambos com nomes de províncias argentinas-que faziam continuadamente,por todo o ano,a linha Buenos Aires/Rio de Janeiro/Ilhas Canárias/Lisboa/Barcelona, e que uniam as antigas colônias às antigas metrópoles). Eram navios de classe única,uma novidade então, pois os navios eram divididos em três classes, com direitos, acomodações, alimentação e preços diferentes, e a denominada classe única igualava a todos e permitia a circulação em todo o transatlântico.Foi uma viagem de cerca de quinze dias, tranquila e cheia de brincadeiras junto às outras crianças embarcadas.Foi também meu despertar para a sexualidade,com um namorico com uma menina linda,loura, de olhos azuis,chamada Suzana.A entrada do Corrientes no rio Tejo,para aporte,foi emocionante,pois meu pai levou-me para a murada e mostrou-me seu Portugal,onde não ia há muitos anos,visto das águas,quando pela primeira e última vez vi meu pai chorar e chorei junto...Em seguida tomamos um ônibus e viajamos para a cidade de Oporto(como eles lá escrevem),onde pernoitamos,tendo no dia seguinte,de novo de ônibus,ido para Valpaços,sede,de onde - de carro de aluguel - chegamos ao nosso destino, Argeriz, local da casa de meu pai,lugarejo em que residiria e estudaria durante este ano. Madeira

segunda-feira, 10 de março de 2008

vivencias-madeira-cronologia (1945)


Em Ucanha ou na região da Central, sempre muita luz e luta


1945: ao alvorecer do dia 17 de setembro deste ano, nascia, em Copacabana, no Rio de Janeiro, Terezinha Botelho Coelho, filha de José Coelho, cidadão português radicado no Brasil, e de Hilda Botelho Coelho. Ambos de origem humilde, mas de honestidade e coragem a toda prova, criaram-na e educaram-na dentro de rígidos princípios morais. Terezinha, assim batizada em homenagem a Santa Terezinha de Jesus, estudou em colégios públicos no Rio, mais exatamente nos subúrbios da Central (Olaria, Ramos e Bonsucesso), onde cresceu e viveu sua adolescência, sendo a primeira infância passada em Portugal, pois logo após o nascimento, ainda neném de colo, foi com os pais e a prima Ivone, no futuro minha comadre, para Portugal, no interior, na localidade chamada Ucanha, próxima a Lamego, onde morou e viveu até mais ou menos os dez anos, sendo inclusive registrada como portuguesa. Em Portugal, nasceu seu irmão Ismael. Retornando ao Brasil e fixando residência em Bonsucesso, diante das dificuldades financeiras próprias da origem simples, aos quatorze anos tirou a carteira de trabalho e logo, menor ainda, foi ajudar no sustento da família, sendo admitida na Mesbla, à época a maior loja de departamentos do Rio (uma espécie de shopping, que vendia de tudo, até aviões, apenas pertencente a uma só empresa), que funcionava em frente ao Passeio Público, vizinha à Cinelândia e ainda hoje, mesmo não existindo mais, falada no Rio, por ser ponto de referência pelo relógio que tinha no alto de seu prédio, e que ainda lá está. Ingressou no setor de meias femininas, e as lojas de departamentos eram fortemente departamentalizadas e seus funcionários especializados, profundos conhecedores de tudo referente aos produtos ali vendidos. Ali, Terezinha, que trabalhava o dia inteiro (por isso deixou de estudar), sob a gerência de franceses (a Mesbla era uma empresa francesa), desenvolveu-se como gente, complementando na lide laboral a educação tida. E com muito sacrifício, pois vinha de ônibus numa viagem infindável, demorada, muitas vezes ou quase sempre em pé, de Bonsucesso até o Centro, e de noite fazia o sentido inverso, com uma hora de almoço e muitas horas de atendimento a clientes chiques, pois comprar na Mesbla era para quem tinha posses. E assim viveu Terezinha até nos conhecermos e namorarmos e casarmos, história que será contada no ano certo. Madeira

domingo, 9 de março de 2008

vivencias-madeira-cronologica (1939)


Avenida Rio Branco, centro do Rio - anos 30


1939: em vinte e oito de outubro, nove horas da manhã, em casa, pelas mãos de uma parteira, como era de hábito na época, nasci, à rua Thomás Coelho número 35, no bairro de Aldeia Campista, servido pelo bonde 69, próximo da rua Barão de Mesquita, na esquina da qual (com a Thomás Coelho, em frente ao quartel da Polícia do Exército) funcionava a padaria Universal, de propriedade de meu pai, João Dias Pereira, panificador desde a chegada ao Brasil, oriundo da Pátria-Mãe, nosso querido Portugal, então com quarenta e quatro anos de idade, viúvo de um casamento no qual nasceu meu irmão e amigo especial Sidônio. Minha mãe, Aracy Madeira, a partir do casamento Aracy Madeira Dias, filha de Antonio Madeira, também panificador, solteira, então com vinte e quatro anos de idade, chapeleira (no lar) e preparada para o casamento (costume da época). Até os cinco anos moramos nessa casa, da qual só me lembro que tinha um pé direito muito alto, e um pequeno quintal. A vida resumia-se a brincar em casa, sob os olhos da minha mãe, com a presença severa, e às horas da refeições de meu pai, sempre impecavelmente vestido, com porte aristocrata, apesar da origem humilde, de pastor, em Trás-os-Montes, Portugal. Ensinou-me tudo de educação, desde a receber pessoas e vestir-me até a alimentação. Minha mãe, como todas as mulheres de então, limitava-se a manter a casa na mais perfeita ordem e funcionalidade, e a acompanhar meu desenvolvimento. Aos cinco anos, mudamos para a Tijuca(após uns meses,em 1943,morando em Botafogo,na rua Sorocaba,onde meu pai foi salvar da falencia a padaria Estrela,que tinha montado para ajudar dois amigos portugueses,o João Silva e o Joaquim),para a rua Antônio Basílio 198, em cima da padaria que meu pai comprou - efetuada a venda da Universal -,a padaria Laís. Era um sobrado imenso, com amplas salas de visitas e de jantar, copa, vários quartos, sendo um de frente, em curva, para mim e para Sidônio, quando de férias. A partir daí,lembro-me perfeitamente de minha infância,pois lá moramos por quinze anos, ou seja, toda a minha adolescência foi ali passada.Então iniciei meus estudos, no Colégio da Companhia de Santa Therezinha de Jesus,tradicional colégio de freiras situado no Largo da Segunda-feira, na confluência das ruas São Francisco Xavier e Conde Bonfim; algo normal, pois no Rio as escolas tradicionais eram as de religiosos ou as públicas de referência (Instituto de Educação, para formar professoras primárias;Pedro II, Escola Técnica Federal, Colégio Militar...). No Santa Therezinha fui alfabetizado e aprendi mais ainda de respeito, educação e disciplina, paradigmas do nosso lar. A frente falarei mais das vivências posteriores aos cinco anos. Madeira

sábado, 8 de março de 2008

vivencias-madeira-cronologica (1928)


Sidônio: com a mão sempre estendida para o irmão menor.


1928: nascimento de outro grande homem em minha vida (o outro e primeiro foi nosso pai, João Dias Pereira), no referente aos exemplos, aos comportamentos, por sua ética e a retidão de caráter que se espera de todos e encontra-se em poucos. E eu encontrei nesses dois grandes seres humanos, meu pai e meu irmão Sidônio Barros Dias, nascido em cinco de fevereiro desse ano. Com diferença de onze anos de idade, e criado longe de mim, pois sou filho de um segundo casamento de meu pai, e Sidônio foi criado em um colégio interno (Marista), depois seguindo carreira militar (brilhante pela magnitude de seus atos de comandante), e continuando interno na Escola Preparatória de Cadetes. Depois, mesmo na AMAN, nunca deixou de ser um irmão especial, dedicado, amigo na totalidade da palavra. Nas férias, quando, em tese, estaria devotado ao descanso, seguindo a vida normal de um jovem cadete, forte e bonito, a pedido meu, que também, apenas em casa, estava interno, dedicava horas a ficar em minha companhia em intermináveis peladas de bola de meia, e em partidas de botão (na verdade jogadas com pedras de damas). E ainda me levava ao cinema e ao Maracanã, para ver o nosso Fluminense jogar... Quando em casa, conosco, sempre dava um jeito de aliviar as surras que meu pai me dava (todas merecidas, pois não fui fácil), intercendendo por mim. Nas conversas, sempre me orientava na mesma cartilha de meu pai, mostrando-me por palavras e por comportamentos que nada é mais importante no viver que a correção de atitudes, com um forte combate diuturno aos que se julgam donos do mundo, através da defesa indômita da verdadeira verdade, sem medo, arrostando obstáculos para a defender e colocando a lealdade e a amizade à frente de quaisquer outros valores. Obrigado, Velho Amigo (assim sempre nos tratamos). Do mano, eternamente grato por tudo que me foi ensinado. Theo

sexta-feira, 7 de março de 2008

vivencias-madeira-cronológica (1919)


Dona Hilda: até a flecha que partia o coração era amorosa.


1919: ano de nascimento de Hilda Botelho Coelho, que durante mais de quarenta anos exerceu um papel relevante em meu viver, como uma segunda mãe, avó de meus filhos e bisavó de meus netos, com muito amor, entrega e dedicação. Mãe de Terezinha Coelho Dias, minha esposa por trinta e oito anos, Dona Hilda, de aparência frágil, magrinha e baixinha, era na realidade de uma força incrível, sempre pronta a intervir em qualquer dificuldade para ajudar quem dela precisasse, sem medir conseqüências ou se preocupar com o futuro. Sua religiosidade foi marcante, e em tudo se referia a sua Mãezinha, pedindo sua ajuda, orando, acendendo velas para Maria, mãe de Jesus... Certamente foi atendida muitas vezes, pois sua fé era incomensurável. Já na meia-idade, deparou-se com um problema, à época (1979) novidade, da necessidade de doar um rim para Terezinha, que necessitava fazer um transplante renal, e apesar da aparente fragilidade, de imediato colocou-se à disposição e feliz, com mais uma oportunidade de estar servindo ao próximo, neste caso a própria filha. Doou o rim, o que tirou Terezinha da hemodiálise e lhe permitiu mais vinte e três anos de vida, podendo ver os filhos e netos crescidos e realizados. Dona Hilda, guerreira de origem humilde, soube viver com bondade, e hoje na certa está prestando serviços em locais de muita luz no Mundo Maior. Do seu filho postiço, Madeira.

quinta-feira, 6 de março de 2008

vivencias-madeira-cronologica (1915)



1915: em meados de fevereiro nascia em Niterói, então estado do Rio de Janeiro - e cidade da qual se diz que o que possui de mais lindo é a vista do Rio, pura fofoca bairrista -, Aracy Madeira Dias, que recebeu a missão de me gerar e criar em conjunto com meu pai, João Dias Pereira. Mãe, amiga, de gênio teimoso, reclamona, mas mãe, ou seja, aquela a quem devemos as noites indormidas, em vigília, face aos cuidados indispensáveis aos recém-nascidos, as primeiras e marcantes alimentações, e o cheiro que só a nossa mãe traz consigo, que é o odor do amor. Como frase característica sua (que não me agradava, mas era típica das mães no século passado), usada como fator educacional, lá estava a "Vou contar para o teu pai quando ele chegar", e cabia a este ser o algoz - e lá vinha uma bela surra, frustradas as tentativas de explicação, sempre mal-sucedidas. Afinal, a palavra da mãe era a expressão da verdade, e concordo que devia ser assim. Mulher independente enquanto solteira, Dona Aracy, filha de Antonio Madeira (falarei nele nas vivências em ordem alfabética), chegou a ser uma das melhores artesãs do bairro da Tijuca (à época as mulheres eram do lar, onde aprendiam a fazer alguma coisa útil, normalmente para parentes, amigas ou professoras primárias), especializada em chapéus de festas (aqueles com véus). Com o aparecimento de meu pai, homem maduro, viúvo, que era colega de profissão de meu avô Antonio Madeira (eram panificadores, e através deste é que se conheceram), foi concedida a sua mão a ele, e daí veio o casamento e a minha chegada a este mundo. Mãe, minha gratidão a você, por tudo que por mim fizestes e me destes. Tua benção, Theo.

quarta-feira, 5 de março de 2008

madeira-vivencias-cronologia (1895)



1895: no dia 21 de agosto, em uma remota aldeia fronteiriça da Pátria-Mãe, nosso querido Portugal, nasceu aquele que receberia muitos anos mais tarde a missão de ser meu pai: JOÃO DIAS PEREIRA. Escritos com maiúsculas, pois na convivência de filho, de discípulo e de aprendiz nunca observei uma só falha de caráter ou de comportamento nele. Orientador sábio, com os ditados populares sempre tinha a saída correta para as dificuldades diuturnas, sem nunca reclamar ou demonstrar cansaço ou preguiça. Rude na defesa dos seus direitos, honesto no dia-a-dia laboral, amigo de se entregar às causas dos amigos, trabalhador ao extremo, com um senso de respeito ao lar incomparável, capaz de dar o que tivesse de seu para os necessitados, mas duro com os malandros, deixou-me um legado de firmeza, coragem, valentia e honestidade, com o qual aprendi a enfrentar os pseudo-poderosos (os poderosos materiais - ricos -, ou por funções), colocando-os no lugar de simples mortais, que detinham um poder momentâneo e, assim, temporal, do qual não podiam fazer uso para ameaças ou em proveito próprio. Com isto, o vi ser preso por negar-se a dar propina a um vagabundo de um delegado de policia, e depois ser reconhecido pela justiça inocente, mas não tendo tido medo de nada para manter seus princípios morais... Gostaria de poder eternamente demonstrar a minha gratidão pelos ensinamentos e exemplos desse pai, e agradeço a cada dia, em meu despertar, a graça de tê-lo tido como genitor e modelo. Obrigado, meu Pai. Do filho Theo.

terça-feira, 4 de março de 2008

vivencias-madeira cronológica (ano 1)



Ano 1: sim, é sobre Ele que hoje vou falar. O dia exato desconhecemos, pois os costumes indicam 25 de dezembro, porém a ciência contradiz essa data - e no nosso imaginário comercial (Papai Noel) ela permanece. Isto não é o importante... O é a figura de Mestre, de Exemplo, de Amigo, que nos mostrou em sua curta estada neste planeta, em uma aula de Verdade, com a duração de trinta e três anos, como nos é devido comportar-se perante si mesmo e todos os que nos cercam, e, mais ainda, perante o planeta que nos acolhe e sustenta. Na verdade, aquele que encontrar um só mau exemplo comportamental dele que o aponte - mas não o encontrará. Verá apenas desprendimento, entrega total, sinceridade, amor, amizade, equilíbrio, presença, disponibilidade incansável. Enfim, padrões de vida que, fossem seguidos em um percentual mínimo, por cada um de nós, certamente o viver na Terra seria sem as dores das inconseqüências dos nossos costumes bárbaros, violentos, egoístas e cheios de orgulho e vaidade. Jesus Cristo, na cronologia de minhas vivências, é o primeiro, como também o é como mestre e modelo, ainda que seja muito difícil atingir tal padrão, mas eleito para tanto, já serve a mim como um objetivo, que é o de buscar nas dificuldades e nas alegrias elaborar como Ele as enfrentou e venceu, para com toda a humildade tentar fazê-lo da forma imperfeita que me seja possível. Esta mesma data me remete a dois outros exemplos perfeitos de o que é ser pai e mãe, do que é montar e ter uma família, um lar: Maria e José. Também humildes, unidos, despidos de vaidades e orgulhos e dedicados ao labor, ele como carpinteiro e ela cuidando do lar, mas acima de tudo trabalhando sentimentos, amizades, amor ao próximo, sem uma maior preocupação que não fosse semear o bem... Obrigado pelos modelos, pelos exemplos, e que possam todos os homens de boa-vontade ler e reler a vida desses iluminados e nela se inspirar, para que possa nosso planeta ter dias melhores (que virão de qualquer forma, mas cuja chegada podemos acelerar pelos nossos bons comportamentos). Madeira

segunda-feira, 3 de março de 2008

vivencias-madeira-cronologica (pré)



SEM TEMPO/SEM DATA: o primeiro assunto abordado, no início dos meus relatos, não possui cronologia, pois afinal, é lógico, vou falar do Criador de tudo, inclusive do tempo; ou seja, vou escrever a respeito Dele. Deus, Criador, Ser Supremo, ou qualquer outro nome e em qualquer língua, todos, até os ateus entendem que, por mais que se tente explicar todas as maravilhas que desfilam diariamente perante nossos olhos, esbarra-se na conclusão de que alguma inteligência infinitamente superior a nossa está envolvida nessa criação... Exemplos são o funcionamento do universo e o do corpo humano, suas formatações intrincadas que não têm início apenas na evolução natural das coisas. Algo mais poderoso, inteligente e criador necessariamente está envolvido e possui essa responsabilidade. A nós, pobres mortais, resta aguardar alguns parcos avanços da ciência para explicar um pouco mais tais criações e seu funcionamento, ou sermos adeptos da fé cega, para simplesmente repetir dogmas e informações, muitas das vezes fantasiosos. E minha vivência perante Deus? Está na minha consciência, muito mais que na infinita sabedoria da criação. Os sentimentos são, assim entendo, a mais cabal prova dessa existência. O amor, a saudade, a felicidade, a emoção, a tristeza, a alegria... Enfim, todos são bons, excelentes, mesmo os aparentemente duros, pois mostram uma capacidade de sentir que é unicamente dos seres humanos (o que deles fazemos, e como os trabalhamos, é que dão o tom divino a cada um), e são provas incontestáveis de um Ser Maior, que a nós atribui esse poder divino de sentir... Deus existe, manifesta-se a cada momento, para todos, de todas as formas, e é, incontestavelmente, a inteligência suprema e a origem de todas as coisas palpáveis e as apenas sentidas, sendo nestas que mais se revela. Madeira

domingo, 2 de março de 2008

início das vivências


O início


Enfim criei o tempo para iniciar (e haverá edição diária, salvo quando eu estiver viajando, e isto ocorre com alguma freqüência nos feriados) a narrativa dos conhecimentos adquiridos no decorrer desta minha vida atribulada, eivada de mudanças e novidades, e plena de amor. A vontade existia, mas foi uma pessoa especial que fortaleceu a mesma, e fez com que se transformasse em fato: Taís Dias Cavati, neta amada e guerreira, como todos os meus descendentes. Há tempos Taís queria, porque queria, que eu contasse tudo sobre a minha vida, dispondo-se inclusive a ser minha colaboradora, tanto na digitação quanto na organização. Agora começo a fazê-lo sozinho, mas tendo-a como musa inspiradora. As vivências serão retratadas como as vivi, e com os conteúdos que delas retirei. É óbvio que é muito pessoal, e que alguns que comigo as vivenciaram podem não ter a mesma visão, mas nisto está o contraditório lindo do viver: as interpretações distintas sobre os mesmos fatos. Muitas vezes, por esquecimento ou por não senti-los importantes, omitirei nomes ou não buscarei a perfeição da descrição, pois o relevante não será o ocorrido, mas sim o que dele depreendi. Escreverei diariamente e seguindo duas vertentes: a primeira, a cronológica, em que marcarei as ocorrências pelo tempo; a segunda, pela ordem alfabética, quando marcarei pessoas, instituições e locais que delimitaram os fatos experienciados. Tudo explicado, vamos adiante. Abraços, Madeira.

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