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"Ando devagar/porque já tive pressa..."
Blog destinado a narrar as vivências do autor, através de suas opiniões sobre fatos vividos, e de marcações cronológicas, objetivando deixar para descendentes e amigos suas impressões sobre passagens de sua vida, abrangendo pessoas com sd quais se relacionou e instituições em que laborou, tudo com a visão particular, própria de todo ser humano, individualizada, pois cada pessoa tem sua forma de pensar, ser e viver. Madeira
quarta-feira, 30 de abril de 2008
vivencias-madeira-cronológica (1964/1)
1964: desta vez veio um ciclo totalmente diferente dos anteriores. O namoro no Rio, pela diminuição das idas, pela distância, talvez pelo amadurecimento tinha ido para o espaço no final do ano passado. Eu entrava no último ano da faculdade, já inscrito na OAB/RJ como solicitador (hoje não existe mais isto; era uma pré-inscrição, pela qual a ordem dos advogados acompanhava os estudos na faculdade, fiscalizando-os, acompanhando as provas e medindo o aproveitamento dos que queriam ser advogados) e apaixonado pelo trabalho lindo feito pela Interpol no combate aos criminosos e grupos de altíssimo nível intelectual, que bolavam delitos grandiosos e fugiam para outros países cheios de dinheiro. Lembro que à época nos debruçávamos sobre três grandes delitos de interesse mundial: a fuga de criminosos nazistas para a América do Sul (Josef Mengele era o mais procurado: quase o prendemos em São Paulo); a Operação Marselha da polícia francesa (tráfico de drogas escondidas em carros de luxo importados); e o assalto ao trem pagador em Londres. Os grandes crimes eram como o enredo dos grandes filmes, muito bem bolados, crimes quase perfeitos. Bem, o grande e diferente ciclo ocorreu no fim do mês de março, quando eu estava no Rio em aula: o movimento de 31 de março, que salvou o país da esculhambação generalizada e sindicalista reinante. Eram greves direto, falta de respeito com o direito de ir e vir, quebra continuada de hierarquia, indisciplina total, tudo culminando em uma grande marcha pelas ruas do Rio, denominada Marcha com Deus pela liberdade, que disseram os meios de comunicação ter reunido mais de cem mil pessoas. Jango, presidente à época, era extremamente fraco, um corno assumido (Maria Tereza, sua esposa, era linda e muito mais nova que ele - a conheci em Brasília ao fazer, ainda na GEB, a segurança ostensiva de uma festa em que ela esteve) e não o creio comunista, mas um populista conduzido por oportunistas que sempre existem e só querem o poder para a própria locupletação. O povo ordeiro não gostava e não queria isso. As Forças Armadas, claro, totalmente insatisfeitas com as repetidas manifestações de indisciplina e quebra de hierarquia patrocinadas pelos clubes de sargentos e de praças, com o apoio dos generais do povo (??!!!) esperavam para ver até onde esse estado de coisas iria. E chegou o limite, o famoso comício da Central do Brasil onde os clubes militares de sargentos e praças carregaram Jango nas costas e fizeram discursos ofensivos ao oficialato. No dia 31 de março eu viajava para Brasília de carona em um carro com outros estudantes, funcionários públicos, nenhum policial como eu, quando fomos em Juiz de Fora interceptados pelo exército e informados da revolução, comandada naquela área pelo Gen. Mourão Filho, que ocupava as estradas de Minas cortando a comunicação entre o Rio - ainda com a força de capital federal e a massa da tropa militar - e Brasília, sede real do poder central. Fui orientado a voltar ao Rio e aguardar as ocorrências - e o fiz, voltando para casa. No dia três de abril, vitorioso o movimento (com o apoio da massa da população brasileira e a fuga dos valentes que se diziam legalistas - não sei de que, pois estavam desrespeitando a constituição e as demais leis), voltei para Brasília e apresentei-me na Interpol sem problemas. Madeira
terça-feira, 29 de abril de 2008
vivencias-madeira-cronológica (1963/4)
1963: de novo tranquilo, com nova dinâmica de vida, muito trabalho burocrático (novidade) e tendo que organizar - dentro dos princípios oriundos da central da Interpol - a OIPC, organização internacional de polícia criminal, entidade internacional mantida por contribuições das polícias de todo o mundo (como uma ONU de assuntos e de cooperação no campo da delinqüência internacional) destinada a combater o crime e os criminosos internacionais que mudam de países. Tendo recebido os arquivos da polícia do Rio, que até então, por ser lá a capital do Brasil, representava-nos, totalmente bagunçados e fora de qualquer ordem, tive um trabalho de leão, ao qual me dediquei muitas vezes também aos sábados e domingos. Mas o fiz com a rapidez possível. As idas ao Rio serviam para atualizar-me nos estudos e matar a saudade de meus pais, da namorada (a mesma desde os tempos de Confiança, cerca de seis anos), da turma da José Higino e do Maraca. Era um banho de civilização, perto de Brasília. Nesta, tinha aos domingos uma colher de chá familiar: Egydio me levava para almoçar na casa dele, sempre. Conheci então aquela que seria minha futura comadre e cunhada, a esposa do Egydio: Ivone. Pessoa calma, muito boa, compreensiva, dona de casa e companheira completa que me aceitou e adotou com o mesmo carinho e dedicação do Egydio. Assim, os três tornamo-nos companheiros inseparáveis nos finais de semana, quando passamos a freqüentar um clube excelente às margens do Lago Sul, o Minas-Brasília Tênis Clube, pelo qual eu e Egydio passamos a jogar nos sábados à tarde. Acabamos por ficar juntos direto, da manhã de sábado, quando almoçávamos no clube e jogávamos ao domingo de manhã, na piscina e almoçando lá. Isto tudo amenizava meus dias em Brasília, que continuava sendo lugar de passagem para políticos - que, como até hoje, chegavam na terça-feira e voltavam para seus estados nas sextas. Brasília tinha como diversão única dois cinemas e os clubes, normalmente de funcionários, que dentro da idéia imbecil dos comunistas (idéia para melhor controle das pessoas) trabalhavam juntos na mesma repartição a semana toda, moravam juntos na mesma quadra, iam para o trabalho juntos no ônibus da repartição e no fim de semana para o mesmo clube - clube dos funcionários do mesmo local de trabalho! Brilhante, bem igualitário e nada tedioso, não? Com isso era um tal de homem com mulher de outro e mulher de um com o homem de outra... Madeira
segunda-feira, 28 de abril de 2008
vivencias-madeira-cronológica (1963/3)
1963: afastado do comando e da tropa que havia ajudado a criar, do recrutamento e seleção dos homens ao seu treinamento, da tradução e adaptação de manuais à escolha de armamento, tudo, fui mandado para a parte civil do DFSP, uma prova fortíssima de proteção divina, com o melhor caminho a seguir nesta encarnação. Por quê? Porque o normal seria ficar recolhido ao quartel, em serviços internos (oficial-de-dia, expediente administrativo) e não continuar trabalhando normalmente. E o pior, respondendo a um IPM (inquérito policial-militar) para apurar a nossa ação policial. Fiquei tranquilo, pois já sabia que o ferimento causado na vítima não era de calibre 38, o que usávamos. Era dos vagabundos agitadores, que na confusão e na escuridão feriram um participante seu colega. Bem, a proteção divina veio forte mesmo, pois fui deslocado da superintendência de polícia metropolitana - órgão a que estava ligada a GEB, dentro do DFSP (órgão do ministério da justiça que controlava todas as áreas de policiamento do DF) - para a superintendência de polícia federal, que seria depois o embrião do departamento de polícia federal, que reunia à época os serviços que a União, por força do direito internacional público, tinha de gerenciar (estrangeiros, passaporte, Interpol, outros). E então fui lotado, como tenente, na Interpol... Era ou não destino? De culpado por violências policiais à sub-chefe do BCN (bureau central nacional)/Interpol no Brasil. O chefe era um delegado de polícia da metropolitana, o dr. Edson Lasmar, um mineiro tranquilo, sábio e educadíssimo que me acolheu muito bem, ensinou-me os primeiros passos e designou-me para sub-chefe do BCN e chefe da seção de estudos de lá, parte responsável pelas análises criminológicas, relações internacionais na área policial, ligações com as polícias estaduais e tarefas outras. A outra seção era a de investigações. Enquanto isso, volta e meia eu era chamado para depor no ministério do exército (no IPM) e sempre assumia a responsabilidade pela ação de desembarcar a tropa e dissolver a baderna, e negava, por não ser verdade, a responsabilidade minha de ter dado qualquer ordem de atirar e de ter sido um dos nossos que o tivesse feito. Tinha acertado com o dr. Edson Lasmar que pelo menos uma vez por mês eu teria de ir ao Rio, afinal já estava acabando o penúltimo ano de direito - e fui autorizado a ir. Egydio já casado, morando na Asa Norte e eu todo domingo pegando um rango na casa dele, e às vezes depois, pela manhã, jogando futebol de campo em algum time de várzea que ele arrumava. Durante a semana, às noites, batia minhas peladas de salão com o pessoal do quartel. Com a mudança de Egydio do nosso quarto e minha saída forçada da S.E., tratei logo de arrumar outro lugar para residir. Já paisano (andando sem farda), descobri postos policiais existentes em todas as superquadras, postos construídos para a prestação de serviços públicos aos moradores da quadra (sediariam serviços para tirar carteira de identidade, de trabalho...), que não vingaram e estavam servindo de moradia para servidores públicos solteiros. Catei um que tivesse um compartimento vazio (eram quatro saletas, com banheiro privativo) e encontrei na Asa Sul, na superquadra 411, ótima localização, principalmente para mim, que morava na Velhacap e estava trabalhando no edifício do então BNDE. Mudei-me logo com meu pequeno enxoval (cama, colchão e armário) - e ficou bom. Um pouco antes tinha comprado meu primeiro carro, um renault dauphine verde claro, ano 1960, de 31 hp, um rabinho quente muito econômico, e assim tudo estava tranquilo (apesar do IPM). Logo dominei o funcionamento da Interpol e comecei a apresentar resultados, reorganizando os arquivos, descobrindo formas de dinamizar o andamento dos serviços, traduzindo do francês e inglês; enfim, dando certo. Brasília e o Brasil cada vez mais caóticos, sem governo, com os movimentos sociais mandando e desmandando e os brasileiros, salvo os cúmplices da bagunça, aqueles que se beneficiavam dela, insatisfeitos com os desmandos dos governantes. Então, em uma ida ao Rio, falei com meu pai que estava a fim de me mudar para Portugal, onde existia ordem - pois esse negócio de ditadura afeta apenas quem é vagabundo e baderneiro -, e quase (depois de muitos anos) levei mais uma surra. Meu pai me disse, curta e grossamente: Aqui nascestes e aqui é teu lugar. Trates de ser correto, estudar e lutar para que teu país melhore sempre. Eu saí do meu para não passar necessidade, mas este não é o teu caso. Nunca mais pensei em sair da minha pátria - por nada. Madeira
domingo, 27 de abril de 2008
vivencias-madeira-cronológica (1963/2)
1963: no dia sete de setembro deste ano teve início um novo ciclo de vida, face a um grande conflito ocorrido na rodoviária de Brasília. Neste dia, no Rio de Janeiro, o Egydio casava e eu estava no comando da S.E. Brasília vivia então, assim como o Brasil de hoje, uma época de badernas, de falta de respeito total, de uma indisciplina generalizada apoiada claramente pelo governo federal, governo este conduzido por um presidente fraco, dominado pelos sindicalistas - na realidade, grupos de comunistas que desejavam (como hoje) apropriar-se da máquina governamental para o seu próprio proveito. Era um bando de analfabetos, ávidos por abocanharem funções de mando (sem competência para tanto), sob a capa de nacionalismo, de o proletariado dominar o pais para redistribuir a renda, esquecendo-se (como agora) que sem o capital não há o trabalho e que a centralização administrativa é um erro crasso, principalmente estatizada, pois não é função do Estado empregar (como está sendo agora); isto gera mais tributos pela necessidade de arrecadar mais e mais, e ainda inflação e fuga de dinheiro. A prova disso veio logo depois, com o fim do comunismo no mundo, mas esses imbecis (José Dirceu e camarilha) querem as mordomias que os ditadores e seus acólitos têm, protegendo os puxa-sacos e enriquecendo a si mesmos, sempre com discursos populistas, demagógicos. O pobre que só quer melhorar de vida e não consegue entender muitas coisas fica seduzido por essa fala populista, pelos discursos demagógicos; fazem uso de um raciocínio simplista: sou eu que estou na presidência, pois é um operário como eu que lá está: alguém que bebe cachaça, fala errado, é amigo e simples. Eles não conseguem ver as mentiras e golpes perpetrados diuturnamente pelos socialistas, pretensos defensores do povo que estão no poder, a cada dia mais ricos e empanturrados por suas benesses, pagas pelos tributos recolhidos dos próprios pobres em cada quilo de feijão/arroz comprado. Assim estava Brasília - e o Brasil todo - na época. Bem, no dia em questão havia um grande movimento popular previsto para o anoitecer na rodoviária, contra o aumento das passagens de ônibus, e todo o nosso efetivo (sob o meu comando) foi deslocado para lá. O desfile militar, pela manhã, já tinha sido prenúncio de confusão, com os cartazes pregando rebelião popular, tomada do poder pela força (pelo proletariado), vaias às Forças Armadas e outras manifestações. Com a tropa embarcada na rodoviária, nos três choques, fui procurado por um negão líder sindicalista com uma carta da Casa Civil assinada pelo Darcy Ribeiro - homem inteligentíssimo, depois cabeça da atual LDB, mas fraco, medroso e comuna -, determinando que a força policial ficasse à sua disposição (sob o seu comando, o comando do companheiro Manuelão - era grande mesmo). Obviamente mandei ele se foder e informei que quem comandava era eu, e que se houvesse baderna e quebra-quebra nós iríamos agir - e que se ele era tão líder assim que segurasse os manifestantes. Se só houvesse discurso (já estava lá um caminhão de som cheio de lideranças discursando) e deixassem parte das ruas com trânsito tudo ficaria bem, ou então iríamos atuar. Na época, no entorno da rodoviária, não havia iluminação, era tudo mato e barro na direção da Torre de Televisão. Às tantas horas, já escuro, chegaram os estudantes da UNB (universidade nacional - pública - de Brasília) e começou um quebra-quebra indiscriminado dos ônibus que estavam estacionados na rodoviária. De imediato ordenei o desembarque e uma varredura na rodoviária, no sentido da Esplanada, para o lado oposto ao da torre, ou seja, tirando-os da direção dos ministérios. Ocorreu um confronto, pedradas e tiros contra nós e a gente na porrada e no gás lacrimogêneo, pois não havia qualquer treinamento ou ordem para atirar. Eram usados os cassetetes e gás e as formações de evacuação - no caso, usei a em linha. Nós (uns cem) contra uma multidão, mas treinados e com coragem. Resultado: soldados feridos por pedras, muitos manifestantes por cassetete e um ferido a tiro, que obviamente não havia sido dado por nós. Mas a manifestação acabou - e no dia seguinte eu fui afastado do comando. Madeira
sábado, 26 de abril de 2008
vivencias-madeira-cronológica (1963/1)
1963: até setembro continuou a mesma a minha vidinha de Gebiano (integrante da GEB). Muito trabalho, idas de estudo ao Rio, muito futebol - mais de salão, pois este, apesar de ser a maioria em quadra de asfalto (a do quartel, que comia um tênis por semana e ralava quando se caía) ainda era melhor que o barro vermelho dos campos de futebol. No quartel, nos dois dias de expediente administrativo, eu gastava a manhã toda em educação física com a turma que estava retornando da folga, e fechava com peladas de salão de duas horas de duração. À noite, muitas vezes arrumávamos jogos (em diversas quadras) pro nosso do time de salão, o dos oficiais (muito bom, formado por mim, Egydio, Rezende - mineiro bom de bola - e Barbalho - carioca de São Cristóvão, atacante rápido e goleador -, completando o time com um sargento da cavalaria, o Moslaves, muito bom), e levávamos uns dois outros reservas quaisquer, pois ninguém queria dar lugar e éramos os melhores, dificilmente perdíamos e fizemos nome em Brasília. Das passagens mais marcantes, sempre com o Egydio, duas foram inesquecíveis, assim como a nossa amizade. Uma quando eu, no quartel de serviço em um sábado, recebi um telefonema avisando que na rodoviária de Brasília havia um oficial da GEB enfrentando uma patrulha do exército. Desloquei-me rápido e lá chegando encontrei Egydio, à paisana (sem farda), encostado em uma das grandes pilastras, cercado de soldados do exército que portavam fuzis com as baionetas colocadas. Os soldados investiam contra ele para tentar imobilizá-lo; ele recuava e quando chegavam perto se abaixava, tentando dar rasteiras e rabos-de-arraia - e então os soldados recuavam. Cheguei fardado, identifiquei-me ao sargento-comandante dos soldados e consegui apaziguar os ânimos quando o apresentei como oficial, sanando o problema com a patrulha, problema gerado por olhares mútuos e desafiadores entre Egydio e os soldados, certamente fruto dos fechamentos da zona. A outra, na qual fiquei de babá do Egydio, ocorreu quando houve uma tragédia com um ônibus interestadual que fazia a linha Brasília x Rio; ele caiu da ponte do Rio Prata, na divisa Brasília/Minas, matando quase todos os passageiros (incluindo os três filhos, todos homens, do nosso comandante, o Ten. João - a esposa se salvou e, por marco divino, ainda tiveram uma filha). O Egydio foi de viatura ajudar nas buscas e a Ford F-100 em que ele estava (chovia muito naquela noite) capotou. Ele, pois, ficou preso nas ferragens, com o tórax comprimido. Pelo rádio me informaram e lá fui eu buscá-lo; chegando, eu o encontrei todo arranhado, com dificuldade de respiração, cheio de dores nas costas. Tratei de colocá-lo na ambulância e trazê-lo para o hospital distrital, limpando os sangramentos e animando-o. Ainda bem que nada de mortal ocorreu (ele ficou com problemas de coluna o resto da vida, mas tudo bem então). Depois de alguns poucos dias de hospital, nos quais eu levava comida e dormia com ele, recebeu a alta e foi para o nosso quarto, onde eu dava sopa em sua boca, fato aliás repetido outra vez, quando ele teve uma hepatite (benigna) e devia ficar em repouso, deitado, só podendo comer coisas doces - e então eu comprava umas latas grandes de doce de quatro cores (vermelho, amarelo, marrom e verde - goiabada, marmelada, bananada e figada), cortava e dava novamente em sua boca. Foi um companheiro inesquecível e fraterno. Além de fechar a zona toda noite, esvaziávamos locais ocupados por grevistas, impedíamos invasões (planejadas ou não), combatíamos rebeliões no presídio ao lado do quartel (único presídio de Brasília), policiávamos jogos de futebol decisivos e de alto risco, baile oficial de aniversário da cidade, parada de sete de setembro, eleição de miss Brasil, vinda de altos dignatários de outros países... Ou seja, tudo que não fosse policiamento normal, do dia-a-dia, que representasse perigo maior ou que necessitasse de uma tropa coesa, unida e treinada diariamente, era com a S.E. O restante da GEB fazia o Cosme e Damião (policiamento a pé, em duplas), a rádio-patrulha e tinha a cavalaria para a zona rural. Toda rebordosa era com a tropa de elite - e nós resolvíamos. Havia uma flama, um orgulho muito grande pelo fato de sermos reconhecidos, eficientes, eficazes, vencedores. Madeira
sexta-feira, 25 de abril de 2008
vivencias-madeira-cronológica (1962/2)
1962: este ano na S.E. da GEB foi, além de um ano de muito trabalho (quando em Brasília era dia e noite, para compensar as idas de estudo ao Rio), aquele em que ganhei um dos dois novos irmãos, não de sangue, mas de amizade canina que a vida reservara pra mim: Egydio de Souza Fernandes (do outro falarei mais à frente, o Oswaldo Mattos). Ao ser criada a S.E. fomos escolhidos como implantadores eu e um tenente magrinho, falador, um carioca da gema que tinha chegado uns dias antes de mim e estava lotado na cia de policiamento, o ten. Fernandes. Alegre, desenrolado, amigo dedicado, corajoso, elétrico, jogador de futebol de mão cheia -tanto salão (tinha jogado no Rio no Grajaú Tênis Clube, e eu me lembrava vagamente dele no primeiro time do Grajaú quando eu era do juvenil da Atlética Carioca e fomos jogar contra, fazendo a preliminar) quanto campo (tinha jogado no juvenil do América, time de coração dele e próximo donde morava, e mesmo sendo destro jogava de lateral-esquerdo) -, era mais velho e antigo como oficial do que eu, cerca de quatro anos, sendo também infante pelo CPOR/RJ. Fernandes no serviço, Egydio fora, foi o companheiro de todos os momentos neste ano e depois por cerca de quarenta e cinco anos. Logo que começamos a trabalhar juntos nos afeiçoamos e decidimos - até por ser nossa companhia também a responsável pelo policiamento dos outros policiais, fazendo o serviço de prendê-los quando em ações irregulares - morar fora do quartel (numa residência particular), e ele arranjou um quarto bem encostado, ao lado, que era para os funcionários mais graduados do SAPS, uma autarquia responsável pela manutenção e funcionamento de restaurantes e mercados populares na nova capital. Era um alojamento de madeira, como todas as construções da Velhacap, com um corredor comprido e, virado para este, os quartos pequenos, apertados, com duas camas, uma após a outra em coluna e armário em frente a cada uma, e uma janela ao fundo que dava para o nada, ou seja, para a imensidão reta, plana, com pequenas árvores, muito mato e a terra vermelha de Brasília. Eram cerca de vinte quartos e no meio havia os banheiros (essas construções eram feitas para moradores masculinos ou femininos, nada misto), de um lado os vasos sanitários e as pias e do outro os chuveiros. Ia-se de cueca até esses locais e fazia-se tudo coletivamente, como em um vestiário de futebol, militar ou de clube. Foram dois anos dessa moradia em dupla até o Egydio casar, e muito tranquilos. Egydio era o companheiro pronto a brigar do teu lado, a entender as dificuldades de relacionamento, e tínhamos gostos parecidos. No futebol sempre jogávamos no mesmo time, sendo que no salão ficamos famosos em Brasília como a zaga dos tenentes, ganhando todos os torneios que disputávamos. No campo também juntos, cinema ídem e até os lupanares frequentávamos juntos, até porque ele não dirigia e eu era então o motorista da nossa viatura. Almoçávamos juntos nos dias úteis, com muita poeira em um restaurante em frente ao alojamento, sempre feijão, arroz, bife e ovo, com uma salada de tomate, alface e cebola, de uma senhora apelidada, não sei a razão, de Tequila. Nos finais de semana havia os macetes - e Egydio era o rei dos macetes. Ele tinha amigas na Telefônica (telefonava de graça para a noiva), chamada à época de DTUI (departamento telefônico urbano e interurbano de Brasília); no zoológico (volta e meia íamos lá); em supermercado (as nossas compras eram sempre mais robustas ou mais baratas) e até em hospitais. Isso tudo facilitava nossa vida, barateando-a, principalmente a dele, e nos fins de semana almoçávamos na casa de alguma dessas amigas. Egydio dava nó em pingo d´água. As separações aconteciam apenas nas suas idas ao Rio, onde ele ia para ajustar o casamento (estava noivo e eu não conhecia a noiva). Com esse viver junto, agarrado até nas brigas contra outros, viramos irmãos - com respeito, entendimento e apoio mútuos. Valeu Velho. Madeira
quinta-feira, 24 de abril de 2008
vivencias-madeira-cronológica (1962/1)
1962: vida que seguia tranquila, com as idas ao Rio e o estudo na faculdade, namoro no mesmo Rio nessas idas e muito trabalho na quinzena em Brasília. A primeira grande e perigosa missão dos S.E.´s foi a de toda noite fechar a zona do baixo meretrício, que funcionava dia e noite na Cidade Livre - nome não oficial, por ter sido no início da construção o lugar onde se instalaram os aventureiros que chegavam invadindo terras e construindo barracos, e que logicamente foi onde se instalaram também as prostitutas, os cafetões, os desempregados e os malandros em geral. O nome oficial era e até hoje é Núcleo Bandeirante. Os servidores que vinham nos núcleos precursores ficavam em construções de madeira coletivas na Velhacap, onde também ficavam o quartel da GEB e o presídio anexo. A decisão da chefia de polícia de a tropa de choque, a uma hora da manhã de todo dia fazer cessar as atividades de prostituição (à época eram cerca de quatro mil mulheres lá trabalhando em barracos de madeira, que na frente eram bares com música tocada em radiolas naqueles lp´s de vinil, aos berros, vendendo bebida livremente, e atrás um longo corredor e quartos dos dois lados) foi resultado do nível altíssimo de homicídios, de gente armada e também de brigas entre os soldados fardados das três forças e os nossos. Redigiram uma circular na Casa Militar da presidência, informando e disciplinando nossa atuação para os três ministérios militares, e lá fomos nós. As primeiras operações foram terríveis. Depois de elaborarmos o plano de ação da operação, tendo de dia feito o mapeamento do lugar (mais de setecentas casas), resolvemos que o melhor seria chegar por trás, por um lixão a céu aberto, local em que terminavam as casas e mais alto face ao buraco para jogar o lixo, e a partir de lá fazer uma varredura na qual parte da tropa, em duplas, ia de casa em casa, rua por rua determinando o desligamento do som e o fechamento das contas, e avisando que no retorno, se preciso, fecharíamos tudo na marra. O resto da tropa, com o sargento à frente, vinha checando se as ordens eram obedecidas, e aí quem ainda não estava se movimentando para pagar e ir embora era revistado e expulso com delicadeza (na porrada) da zona. Saíamos sempre de lá por volta das quatro, cinco horas da manhã. É óbvio que a criminalidade diminuiu e a S.E. marcou positivamente o nome da GEB. No início houve reação de militares, e então por rádio nos comunicávamos com o oficial-de-dia da Arma do praça e este, ao observar tal providência, preferia ir embora; em caso negativo era enviada uma tropa da Arma dele para levá-lo detido ao quartel. Também ocorreu de sermos atacados a tiros ao desembarcar do choque, numa tentativa de amedrontar-nos; era terrível, pois onde desembarcávamos era escuro e só se ouvia o estampido, via-se a chama do projétil e escutávamos o barulho da bala furando a lataria do caminhão-choque. Não respondíamos aos tiros nem perseguíamos os autores: simplesmente buscávamos abrigo e depois de um tempo fazíamos o serviço, nessas noites com muito mais rigor e raiva, procurando desde o início armas através de revistas pessoais. Era encagaçante de início, depois nos acostumamos e terminamos com isso pela ação firme. Tivemos gente ferida, poucos, mas nunca por bala, geralmente por faca ou pancada ao dominar algum recalcitrante; este ficava, é claro, em pior estado que o nosso companheiro ferido - numa ação de legítima defesa. Nesse tempo a polícia tinha um melhor conceito, pois não existia corrupção (nunca soube ou vi), agindo com firmeza somente com os vagabundos, os criminosos, os que se negavam a seguir as ordens legais. Madeira
quarta-feira, 23 de abril de 2008
vivencias-madeira-cronológica (1961/5)
1961: com a instalação definitiva em Brasília e o fato, à época, de a cidade ainda estar visceralmente ligada ao Rio, não ficando ninguém (literalmente) por lá nos finais de semana e feriados (nem carnaval ela tinha, nem clubes, e apenas dois cinemas), e recebendo dois salários por mês - pagos aos funcionários que lá moravam, a famosa dobradinha -, foi fácil engrenar com os colegas, com a anuência do comando, a ida ao Rio a cada quinze dias através do macete de dobrar o serviço; ou seja, em vez de tirar o expediente direto você ia para a sua terra de origem e outro fazia o seu serviço em revezamento: com isso, o efetivo estava sempre completo, uns trabalhando e outros viajando. Portanto, não precisei transferir meu curso de direito para Brasília, já que trabalhava quinze dias e passava os outros no Rio cursando a Cândido Mendes, fazendo as provas e participando das aulas. A presença era um galho quebrado junto ao próprio professor ou através de um colega, quando das listas de chamada. Foi fácil porque eu me dedicava e estudava mesmo, cobrindo as dificuldades dos dias ausentes. Acabada a montagem da cia de serviços especiais, a S.R., com todo o treinamento teórico em sala de aula e o prático (formações de combate em coluna, usada hoje pelo BOPE/PM/RJ, em linha e em cunha, muito treinamento físico de resistência, de defesa pessoal - principalmente imobilizações), entramos em ação. Fiquei no sub-comando com o Egydio no comando, pois o tenente João foi para o comando da Geb com a saída do major Ribas, que voltou para o exército; piruei também tirar escala, abrindo mão da minha folga de quarenta e oito horas, o que me interessava, pois além de Brasília não ter nada para fazer (aos sábados, domingos e feriados era de uma tristeza imensa, pois não havia ninguém nas ruas, e só restavam as grandes e terríves peladas em campos de barro ou em quadras de asfalto, com as redes sendo de arame) era a forma de ganhar meus quinze dias no Rio e estudar. A cia era composta de comandante, pessoal burocrático e três pelotões de vinte soldados cada um, mais o tenente-comandante (vieram mais dois tenentes para se juntar a mim e ao Egydio, o Estevam Iemini de Rezende - mineirão - e o Orlando Kalil, paranaense), um sargento-adjunto (capixaba, parente dos Zouain, do supermercado Santo Antônio de Guarapari), dois cabos, um motorista (comigo trouxe o do trânsito, o Barbosa) e os soldados-combatentes, que embarcados no caminhão-choque aberto iam distribuídos em dez homens de cada lado, mais o cabo que comandava o grupo; na cabine com o motorista iam o sargento e o tenente, este na porta dando as ordens para o desembarque e a formação a ser adotada. O fato é que a tropa, fora uma situação de calma, de observação, quando permanecia embarcada, se descesse do choque era pra cair de pau, ou seja, dissolver o que estivesse pela frente - e nós dissolvíamos mesmo. Nas vinte e quatro horas de serviço permanecia-se fardado e equipado todo o tempo, de botina, capacete ao lado, cinto de guarnição com o armamento e a munição reserva, dormindo-se assim, pronto para embarcar no choque em um minuto - um minuto mesmo, do toque da sirene de alarme até a saída do caminhão, que deixava para trás quem não estivesse embarcado no minuto treinado. Tínhamos itinerários prontos e marcados, com alternativas de trânsito para chegar ao local do conflito no tempo mínimo e agir. A GEB era respeitada e a S.E. (serviços especiais), temida. Os soldados usavam revólver trinta e oito e cassetete de madeira, utilizado para imobilizações e ataques; os cabos usavam o mesmo revólver e um lança-granada de gás que hoje não vejo mais; o sargento ainda o revólver .38 e uma metralhadora INA.45; e o tenente apenas o trinta e oito. Nas quarenta e oito horas de folga, a primeira era de folga mesmo e a outra era de expediente administrativo para treinamentos práticos (tiro, defesa pessoal, halteres, corda - para dominar o rapel e penetrações de ataque -, formações, educação física, peladas intermináveis) e limpeza do material (botinas, cintos, cantis, tudo brilhando para o dia seguinte de serviço). Vida para mim gostosa, cheia de ação, movimento, brilho. Madeira
terça-feira, 22 de abril de 2008
vivencias-madeira-cronológica (1961/4)
1961: no quartel da GEB, na cidade-satélite denominada Velhacap - assim chamada por ser o ponto de instalação dos primeiros candangos (nome dado àqueles que chegaram à futura capital no início de sua construção, fossem operários de construção civil, fossem funcionários públicos transferidos) -, toda de prédios de madeira, uma verdadeira barracolândia sem calçamento, com água e luz mas assolada, quando da época da seca, por redemoinhos de terra vermelha - que, ao pegar alguém, forçava o coitado a de imediato tomar um banho e mudar de roupa, dada a quantidade de poeira com que ficava coberto -, apresentei-me e fui encaminhado ao rancho para almoço, com a ordem de depois dirigir-me ao comandante. Essas fortes nuvens de poeira vermelha, que feriam os olhos e as partes do corpo descobertas, eram chamadas de lacerdinhas em homenagem ao governador do já estado da Guanabara, o Carlos Lacerda, crítico contumaz e cri-cri da construção de Brasília. Na época era presidente do Brasil o Jânio Quadros - no qual votei, e foi o meu primeiro e péssimo voto, pois o cara era um doido de pedra -, e Brasília tinha todos os cargos em comissão ocupados por paulistas, inclusive sendo o comandante da GEB um coronel da força pública de SP (nome da PM/SP de então). O diretor da academia nacional de polícia (um major) e o chefe de polícia, bem como outros em cargos do ministério da justiça - todos paulistas. Bem, apresentei-me após o almoço. Foi determinado que eu me alojasse no quartel e logo fosse à ANP para a apresentação da documentação, mais os exames médicos, físicos e intelectuais, o que fiz no mesmo dia e no dia seguinte, passando em todos com sobras. Parecia, pela pressa, haver algo no ar - e havia. Dois dias depois, dia 23 de agosto, foi publicada no boletim a minha admissão na GEB, e recebi o fardamento completo, todo cáqui (era todo de sobra do uniforme original da FAB, que dois anos antes trocara o cáqui pelo azul atual), roupa de cama e banho. Na tarde desse dia entramos de prontidão, pois o maluco do Jânio tinha renunciado e os rumores de conflagração corriam soltos. Até hoje brinco, pelo inesperado da situação, que o Jânio renunciou ao saber que eu tinha sido admitido na GEB. Depois de alguns dias de prontidão, sem sair do quartel e pronto para o combate, foi acertada a volta de João Goulart, vice-presidente que estava fora do Brasil, e sua assunção ao poder presidencial no sistema parlamentarista, solução bem brasileira (tiraram o sofá da sala, o resto continuou igual; aliás, pior). Fui então designado para assumir o sub-comando da companhia de trânsito como segundo-tenente (o comandante era o primeiro-tenente Nelson Marabuto, CPOR/RJ de Cavalaria que tinha de entrar de férias e estava sozinho na companhia). Fui para lá e apropriei-me dos conhecimentos do código nacional de trânsito e das peculiariedades administrativas em um fim de semana, e nos dias seguintes cuidei da parte prática com o apoio de dois primos cariocas, soldados, um escolhido, o Altamir Balbino, por ser o melhor soldado de trânsito sob todos os ângulos, e o outro o Vaucrence Barbosa, que era o motorista do comandante. A ambos devo muito ou tudo que aprendi e foi possível realizar na cia. Bem, com a posse do Jango foram embora todos os paulistas e vieram todos os gaúchos que cabiam no governo federal e em Brasília, assumindo a chefia do DFSP, o departamento federal de segurança pública - órgão do ministério da justiça responsável pelas polícias - um coronel do exército amigo do Goulart, o Carlos Molinari Cairoli, e o comando da GEB um major do exército, o Ribas. Em novembro, com menos de três meses no trânsito, a chefia do DFSP - a pedido do major Ribas - decidiu criar uma tropa de elite, uma companhia de choque, e para comandar a mesma foi indicado um ex-integrante da polícia especial do Rio (os boinas vermelhas, tropa de choque do presidente e ditador Getúlio Vargas), o mais antigo dos oficiais da GEB - veio bem no início das obras -, o João Gonçalves Netto, que me escolheu, junto com outro oficial (este do policiamento), o Egydio de Souza Fernandes (que teve depois uma participação muito especial e importantíssima em minha vida) para montá-la no papel, escolher e treinar os seus integrantes. E lá fui eu estudar táticas, formações e ações específicas de controle de tumultos, de enfrentamento legal e outras de alto risco e de especialização notória. Madeira
segunda-feira, 21 de abril de 2008
vivencias-madeira-cronológica (1961/3)
Inauguração de Brasília.
1961: o segundo semestre veio inaugurando um novo ciclo, totalmente diferente do que eu havia vivido até então, pois a partir de agosto comecei a trabalhar, a ter uma profissão, um emprego. Bem, em 31 de julho me formei oficial da reserva do exército brasileiro, da arma de infantaria, recebendo a carta-patente de oficial e o posto de aspirante em cerimônia de recebimento da espada, símbolo do oficialato, no estádio do Vasco da Gama, onde eu já tinha jogado. Como terceiro colocado do curso entre os mais de duzentos e cinqüenta infantes, tive de recebê-la das mãos de um integrante do alto comando do exército, um general de quatro estrelas, na tribuna de honra do estádio, com todos os formandos perfilados. Imaginem o orgulho de meus pais, que ainda que tivessem perdido a oportunidade de me dar a espada (hoje com o Caio e com a homenagem pela colocação gravada no punho) acompanhavam tudo de perto, em lugar reservado aos pais dos homenageados. Lá estava eu com o uniforme de gala (o branco e cinza), vibrando. Formado, ao ir ao CPOR nos primeiros dias de agosto para retirar meus últimos pertences do armário (tênis, calção, camisetas e apostilas), fui informado de que eles tinham recebido uma correspondência do ministério da justiça. Este solicitava a difusão entre os novos aspirantes do recrutamento de oficiais da reserva para a composição do quadro da PM do distrito federal, então em fase de reestruturação ao sair da Novacap (empresa vinculada à prefeitura do DF, responsável pela construção de Brasília) e passar à jurisdição do MJ. Interessei-me de imediato, pois apesar da cobertura total de meu pai e de suas dicas de que após formado eu arranjaria um bom emprego na prefeitura ou no governo estadual, eu não queria esperar mais quatro anos de estudos vivendo novamente de mesada (não tinha mais o salário de aluno), e ansiava pela independência absoluta, queria ser dono de meu nariz; afinal, eu já me virava muito bem em tudo. Assim, após algumas elucubrações, conversas com meus pais, tomei a decisão de ir para a Brasília recentemente inaugurada fazer o concurso para oficial da guarda especial, então o nome da PM/DF. Com a carta-patente e demais documentos na bagagem (uma bolsa do CPOR contendo uma muda de roupa civil e objetos pessoais), fardado de aspirante, fui ao aeroporto do Galeão (que não era o atual, era o que hoje é a base aérea da Ilha do Governador - o aeroporto do Rio, o civil, era o Santos Dumont, de onde partiam todos os vôos, sendo o Galeão apenas militar) e, depois de me identificar, consegui no CAN (correio aéreo nacional da FAB que levava passageiros e correspondência oficial - e mesmo dos Correios - para as regiões inóspitas deste país) uma passagem de ida para Brasília para o dia 21 de agosto, dia do aniversário de meu pai, às sete horas da manhã, com a apresentação no aeroporto às cinco horas. Como nunca tivemos frescuras com datas, desde que uma causa maior houvesse, ele entendeu bem e colocou-se à disposição, mas eu tinha o último salário de aluno e de nada precisava, a não ser a coragem de enfrentar o desconhecido. No dia 21 embarquei num DC-3 da FAB. Este avião não tinha pressurização, viajava baixinho e você via tudo no chão com clareza; para respirar e circular o ar havia buraquinhos nas pequenas janelas redondas (lembravam escotilhas de navio, destampadas e pendentes em arames quando estava muito quente). Sentava-se de lado em um banco de metal (eram aviões militares, portanto sem conforto), e quando pousados ficavam inclinados para trás sobre a única roda, a de trás. Nas situações de calor eram muito quentes, e nas de frio muito frios. O vôo durava mais de cinco horas, pois tinha de haver um pouso em Belo Horizonte, na Pampulha para reabastecimento, coisa de uma hora, quando todos desciam. Demorava mais ou menos uma hora e quarenta do Rio até BH, mais uma hora no solo em BH e quase três horas de BH à Brasília. Cheguei e deslumbrei-me com a cidade vista do alto, pois o seu desenho era diferente de qualquer outro, e também fiquei fascinado pelas grandes áreas sem nada construído, um nada de terra avermelhada, seca. No aeroporto militar, fardado, logo consegui uma carona numa kombi da FAB que ia para o centro, e me deixaram no quartel da GEB pela hora do almoço. Novo ciclo, nova vida. Madeira
domingo, 20 de abril de 2008
vivencias-madeira-cronológica (1961/2)
1961: neste fim de ciclo cursei o segundo ano do CPOR, também já veterano e dominando os macetes da vida militar, pois gostava muito dos princípios vigentes de hierarquia, disciplina, camaradagem, honra, responsabilidade e coragem - tudo feito com uma alegria e uma dedicação muito grandes. O segundo ano era de estudo e prática de comportamentos de comandante, ao contrário do primeiro - ano de subordinado, de serviços de quartel (sentinela, faxina de alojamento, de banheiro, outras) -; as ações eram de chefia, de comando (auxiliar de oficial-de-dia e, nas marchas e acampamentos, de comando). Enquanto antes carregava fuzil e equipamentos de combate completos, parecendo um caracol de tantas coisas às costas, agora levava apenas o cantil e uma pistola quarenta e cinco na cintura. Ficou tudo, depois do que eu havia passado, uma delícia. Imagine que no último acampamento eu era o combatente que, no pelotão, carregava a placa-base do morteiro sessenta (peça onde se firmava o morteiro, arma de lançamento de granadas por sobre a tropa amiga e de curva ascendente/descendente), e a desgraçada, além de incômoda de carregar, pesava paca - e eu agora jovem, forte, atleta, cheio de gás com vinte anos e sem nada nas mãos nem nas costas. Para melhorar, com a minha facilidade de aprendizagem fiz no primeiro ano, no somatório das notas das vc´s (verficações de aprendizagem: provas, no exército) e dos conceitos (opiniões justificadas que são emitidas pelos superiores, colegas e subordinados) o terceiro lugar do curso. Com isso, dentro do posto máximo que um oficial da reserva pode alcançar, que é o de capitão, fiquei com este, que era para ser exercido pelos três primeiros colocados. Cada ano do CPOR, no curso de infantaria, possuía cerca de quinhentos alunos. Um total de mil das mais variadas matizes, todos cursando alguma faculdade. É óbvio que se espalhavam pelos cursos, pela afinidade e pelas áreas de nível superior que estavam fazendo. Assim aprendi, tanto na teoria (disciplinas como situações de combate, chefia e liderança, operações contra guerrilha, inteligência, outras) quanto na prática (comandando no quartel, nas marchas e no acampamento), a me comportar frente às situações, às dificuldades próprias de cada uma e principalmente a cuidar dos comandados. No exército é princípio fundamental de comando acompanhar, orientar e auxiliar os subordinados, e isso entranhou-se de tal forma em meu interior, já de fundo humanístico, que fez com que eu sempre me realizasse nos comandos exercidos pela possibilidade de orientar, ensinar os que estavam sob as minhas ordens. Punições devem ser aplicadas, mas o chefe tem de ter a certeza de que os erros não são de sua responsabilidade (pela falha de observação quanto à capacidade de entendimento de quem recebe a ordem, pela não clareza da mesma, pelo não acompanhamento por ele da missão...). Muitas e muitas vezes a vaidade e o orgulho não permitem aos chefes perceber os próprios erros, na covardia atribuindo-os aos outros e salvando sua pele. Isso eu nunca fiz, pois fui educado para sempre assumir os meus atos; afinal, errar é do jogo e um modo de aprendizagem, e sempre arquei com as conseqüências do que eu praticava. Ou seja, nunca tirei o cu da reta. Madeira
sábado, 19 de abril de 2008
vivencias-madeira-cronológica (1961/1)
1961: este ano foi dividido claramente em dois, de acordo com a cronologia semestral. No primeiro, já veterano na faculdade e com a base do estudo jurídico adquirida no ano de calouro - pois como um iniciante em qualquer atividade tudo era motivo de dúvida e de grande curiosidade -, ficou mais fácil e macetosa a aprendizagem. De fato, no ano anterior as disciplinas introdução ao estudo do direito, sociologia política, teoria geral do Estado, direito romano (hoje muitas faculdades não a ensinam e ela é definitiva para a interpretação do direito pátrio) e economia política me deram um amplo entendimento do que era a ciência do direito, e fizeram com que me apaixonasse por ela em sua teoria. Mais para a frente, ao trabalhá-la no dia-a-dia, verifiquei como na prática o homem, com suas imperfeições, interesses particulares, vaidades, orgulhos e paixões a deturpa e violenta em seus princípios básicos, tornando-a não mais uma ciência social, mas um instrumento pessoal para conseguir realizar os seus mais torpes desejos e suas vontades mais mesquinhas. O que não me desespera é que ainda há um pequeno número de homens de bem também na área jurídica, e que esses deslizes praticados por juízes, legisladores, promotores e advogados corruptos serão julgados em um tribunal maior, na eternidade. Nunca fiz parte desse time nojento em minha vida profissional. Bem, no segundo ano - com a base muito boa e a entrada das disciplinas profissionalizantes - foi tudo mais fácil e gostoso. A faculdade Cândido Mendes, a mais antiga particular do Rio de Janeiro, criada no século dezenove como Escola de Comércio e construída, à epoca, em um local estratégico - em frente ao cais da cidade, na Praça Quinze, local de entrada e saída de mercadorias e de comércio -, e que depois criou o curso de direito, funcionava em um prédio erguido então para esse fim (hoje tombado), com uma grande torre no centro do grande pátio existente. Era impecavelmente limpa, com grandes janelões e piso de tábua corrida sempre muito bem encerado. Vetusta, tradicional, dirigida por um educador e pensador de esquerda (mas não fanático), o dr. Cândido Mendes, da família que a originou, com professores-doutores em direito (não por esses doutorados atuais baseados em teorias e fórmulas nerds, mas pela excelência de estudos, pareceres e livros publicados, tribunos de conteúdo, não de blá blá blá), deu-me um embasamento e uma confiança que me servem até hoje nas leituras e compreensões de fatos cotidianos. Quando mais adiante lecionei direito, passei informações ao profissional da área que já não se transmitem, oriundas de meus estudos de introdução à disciplina, coisas que nem constam mais dos livros, como o que são e quando devem ser usados ítem, inciso e alínea e até quando se usa a numeração cardinal nos artigos - e mesmo quando se redige no futuro ou no presente. Ao não saber isso um advogado - em uma firma ou no serviço público -, ao redigir uma ordem de serviço ou uma portaria (também hoje não sabem diferenciá-las), certamente vai escrever um mau documento jurídico. Madeira
sexta-feira, 18 de abril de 2008
vivencias-madeira-cronológica (1960/2)
1960: na faculdade de direito Cândido Mendes descobri o que era ser acadêmico, estudante de nível superior, ou seja, o maior interessado em aprender, em dominar o conhecimento necessário a um futuro exercício profissional. Docentes competentes, todos catedráticos - donos da cátedra, professores titulares - dotados do mais completo domínio das disciplinas que lecionavam, pois atuavam na área (juízes, promotores, advogados de renome) e/ou possuíam titulações conseguidas no Brasil e/ou no exterior. Quase todos também lecionavam na Nacional de Direito e tinham livros publicados. À época o ensino ainda era anual, o curso de direito em cinco anos divididos em anos letivos, com cinco disciplinas cada e cento e oitenta dias de aula. As provas eram nos primeiros quinze dias de julho; primeiro as provas parciais (somente os conteúdos do primeiro semestre), depois quinze dias de férias e no final do ano mais quinze dias de provas, as finais (todo o conteúdo do ano) - as duas fases de avaliação divididas em provas escritas e orais, sempre com três questões sorteadas pelo inspetor federal (uma dissertação e duas perguntas também dissertativas, no valor total de dez pontos). Atenção!: erro de português tirava ponto... As provas finais funcionavam como já descrevi no vestibular, ou seja, banca de três examinadores, um presidente para a dissertação e os outros dois para as perguntas; cada um dava a sua nota e dali era tirada a média final da oral, que - junto com as notas das primeiras provas (escritas e orais) e da final escrita - dava a nota final da disciplina. Era possível, uma vez, ter-se duas matérias em dependência, fazendo-se no ano seguinte as duas disciplinas, ou uma se fosse o caso, e aí o curso era atrasado um ano. Em seis anos, no máximo, formava-se um bacharel em direito. O exame da ordem dos advogados era feito junto com o quinto ano e acompanhado pelo inspetor federal (estava todo dia na faculdade, supervisionando as aulas e provas e dando visto nos diários de classe) e por um membro da ordem - isto nas provas finais -, sendo este muitas vezes membro honorário da banca de examinadores. Caso se ficase em mais de duas dependências, perdia-se o curso: ocorria a jubilação. Como pode ser visto, não era esta moleza atual que redunda em uma número expressivo de reprovações no exame da ordem, e também em advogados semi-analfabetos a usar um português lulal... Livros e apostilas eram companheiros diuturnos de estudos, e o grande amigo era o vade mecum jurídico, coletânea de todos os códigos em vigor e leis que os modificaram. Nos dias seguintes às aulas eu relia e estudava os conteúdos da véspera, buscando apropriar-me de todo o conhecimento passado pelos professores. Assim, com muito estudo teórico e prático, diário, tinha o lazer subordinado ao calendário e só via a turma da José Higino, já mais madura, nas férias da faculdade (que equivaliam ao CPOR diário), nos finais de semana, então ocasião das peladas e jogos amistosos de araque, e na época das aulas, quando o CPOR era aos sábados e domingos. Namoro ídem - tumultuado. Maraca quando dava, pois nunca fui de matar aula. Mas eu estava satisfeito, pois entendia que estava crescendo no intelecto e na ética. Além desses sacrifícios, tinha o de manter-me com o pequenino soldo (sálario, em termos militares), pois sempre tive vergonha de pedir qualquer dinheiro ao meu pai. Acordava, nos dias de CPOR, às três e meia da madruga, passava minha farda, engraxava os sapatos, preparava minha bolsa militar com os livros, apostilas e uniformes de educação física ou camisetas reservas, ia à padaria pelos fundos pegar um pão quente, fazia o café, tomava e saía para pegar o bonde das quatro e meia, para antes das cinco estar no quartel e mudar de roupa para a formatura às cinco e cinqüenta. Ainda bem que o CPOR só batia com a faculdade da sexta para o sábado. Madeira
quinta-feira, 17 de abril de 2008
vivencias-madeira-cronológica (1960/1)
1960: novo ciclo - faculdade de direito, CPOR, fim do futebol oficial - ligado à federações - pela total falta de tempo (pois o CPOR funcionava aos domingos durante os meses de aulas). Durante dois anos (60 e 61) meu tempo foi ocupado pelos estudos do curso de direito (à noite na faculdade), e (de dia) ainda me dividia entre a casa e o CPOR, neste nos meses de dezembro, janeiro, fevereiro e julho, correspondentes às férias escolares, com as instruções (nome militar das aulas, teóricas ou práticas) durante os dias de semana e a formatura às cinco e cinqüenta da manhã; chegava no quartel às cinco horas e a instrução ia até as dezesseis e trinta, com liberação às dezessete horas, menos aos sábados e domingos. Este era o chamado período contínuo. Nos demais meses do ano em que havia aula nas faculdades (só fazia CPOR quem era universitário) ocorria o período descontínuo, com aulas aos sábados e domingos, nos mesmos horários. O segundo ano no curso do exército precedia a declaração à oficial. Escolhi - como se diz militarmente, piruei - fazer o curso de infantaria, tanto por não gostar das outras áreas (artilharia e engenharia, muitos cálculos; cavalaria, muita merda de cavalo e cavalos brabos; intendência, cuidar de suprimentos) como para ter o prazer de pertencer à (única) arma que vê o branco dos olhos do inimigo. Desatei a estudar as disciplinas do primeiro ano (ordem unida, regulamentos militares de saudações, comunicação, disciplinar, armamento e tiro, maneabilidade, topografia...), fazer marchas - neste ano com equipamento de combatente, algo pesado e incômodo - (ainda) curtas, de oito, doze - noturna - e dezesseis km e acampar para manobras militares. Era um guerreiro, enfim. No primeiro acampamento, em Gericinó, célebre área de treinamentos do exército na zona suburbana do Rio, próxima à estação de trem de Magalhães Bastos, após chegar em caminhão de transporte militar e armar a barraca com meu de rancho (colega escolhido pelo capitão-comandante da Escola, a décima, para ser o meu companheiro nesta instalação), fui almoçar e inesquecivelmente aprendi logo o que era combate, pois com todos na fila para a refeição caiu um tremenda chuva - estávamos em um descampado - e minha comida, meu rico arroz-com-feijão - mais carne e batata cozida - boiava na minha marmita. Vi muitos filhinhos de papai choramingando e tendo de comer sem maiores comentários... Eram dois acampamentos de cinco dias (todos de exercícios simulados de guerra) nos períodos contínuos, e duas jornadas (dia inteiro) nos períodos descontínuos. Os acampamentos eram finalizados com o retorno a pé, e nas proximidades do quartel marchávamos e cantávamos músicas varonis. Cansaço não podia existir, e cair ou voltar de ambulância era o vexame máximo, podendo significar o desligamento do curso. Logicamente havia muito esporte, e logo lá estava eu capitão do time de futsal (já modernizado, com bola que quicava um pouco, mas ainda sem valer gol de dentro da área) e jogando nos times de vôlei e basquete. Nossa escola foi a campeã de todos os esportes no curso de infantaria (eram dez as escolas), e parei na seleção de futsal do curso, onde ganhamos das outras armas. Estava tudo sendo muito bom neste ano, eu vibrando e satisfeito com a minha vida, principalmente por estar tendo mais e novas responsabilidades. Sempre gostei de assumir responsabilidades e tomar decisões, arcando também com as conseqüências. Madeira
quarta-feira, 16 de abril de 2008
vivencias-madeira-cronologica (1959/2)
A sempre fantástica Quinta da Boa Vista
1959: este fim de ciclo foi totalmente diferente, pois encerrou-se iniciando um espetacular, de sonho, de vibração, de aprendizagem complementar - pelo qual agradeço todos os dias. Trata-se do serviço militar, dos meus dois anos de CPOR/RJ, Centro de Preparação de Oficiais da Reserva do Exército Brasileiro do Rio de Janeiro. Vibro, mas vibro mesmo com tudo que lá aprendi e que uso até hoje, e que me marcou de forma positiva. Ao fazer dezessete anos cumpri a obrigação de alistar-me no Exército (cheguei a pensar em fazê-lo na Marinha, mas água só a de banho; até hoje - e gosto muito de passear de navio - não nado nada). Quanto a seguir a carreira militar (EPC/AMAN), apesar de gostar da idéia (cheguei a tentar fazer um curso preparatório no Clube Militar, na Cinelândia), as cas (matemática, física e química) me assustavam e lá seriam a base da carreira, então logo optei por não contrariar meus instintos intelectivos. A vontade ficou latente, não só por meu irmão como também por gostar de tudo organizado, de hierarquia e disciplina, e por saber muito bem obedecer e comandar (sempre fui o capitão dos times em que jogava e enquadrava os recalcitrantes e chupa-sangues). Feito o alistamento, pela série que cursava fui encaminhado para o CPOR/RJ, e era o que eu queria. Tanta gente de nível de estudo fugindo e eu brigando para ir para lá, tanto que pedi ao Sidônio que fosse ao quartel e visse se eu estava ou conseguiria ser selecionado. E fui. Assim, o ciclo seguinte da minha vida começou, na realidade, no dia quinze de dezembro de 59, com a apresentação em São Cristovão, no quartel (então do CPOR/RJ, na saída do portão da Quinta da Boa Vista que dava saída para São Cristovão, e do qual hoje só existe o pórtico). Encerrava-se o curso colegial e iniciava-se o acadêmico, em conjunto com o ensino militar a nível de oficialato e, principalmente, de complementação educacional. No futebol, depois da excelente campanha no Confiança, fiz parte da seleção do campeonato com outro goleiro (do Campo Grande, apelidado de Castilho pela semelhança física com o grande Carlos Castilho) e recebi convite de dois outros clubes, de novo da divisão profissional, ambos pequenos (São Cristóvão, através do meu ex-técnico no juvenil da Portuguesa, o Mendonça, e Bonsucesso, pelo técnico Jair Boaventura) - que recusei. Também fui convocado para a seleção do Departamento Autônomo que iria fazer uma excursão caça-níqueis à Europa (a famosa seleção cacareco, que demorou três meses e meio no exterior jogando a troco de nada), e ainda bem que, face aos estudos e ao exército, não fui, pedi dispensa. De resto, tudo em casa tranquilo, sempre procurando a orientação de meu pai e de meu irmão, e muito namoro (ainda firme com a mesma namorada do Confiança) e pouco lazer (pelas inúmeras atividades e as novas responsabilidades), permanecendo mesmo as idas ao Maraca pra ver tudo que era jogo e até carregando a namorada - quando o dia era de namoro. Madeira
terça-feira, 15 de abril de 2008
vivencias-madeira-cronológica (1959/1)
O Rio de Janeiro em um dia de dezembro, 1959
1959: ano de fim do ciclo estudantil do clássico e de decidir a carreira, a profissão e o vestibular, então classificatório, ou seja, havia cem vagas e entravam os cem primeiros classificados, as cem melhores notas finais. Finais porque o vestibular era de provas escritas, orais e específicas da área de estudos (humanas, exatas ou biomédicas; estudantes do clássico para a primeira e científico para as duas outras). Decidi-me por fazer Direito e assim me inscrevi ao final deste ano em dois concursos vestibulares, o da Faculdade Nacional de Direito, no Passeio Público (federal) e o da Faculdade de Direito Cândido Mendes, a mais antiga e tradicional particular do Rio de Janeiro, na Praça XV, ambas no centro do Rio. Consegui passar na Cândido Mendes em terceiro lugar na classificação final. As provas eram escritas e feitas em dois dias, um para português, latim e uma língua estrangeira (escolhi e fiz francês) e outro para história e geografia do Brasil, com quatro horas de duração. Trinta dias depois aqueles com nota superior a cinco em cada disciplina eram convocados para as provas orais - e era fogo: uma banca de três examinadores, catedráticos, sendo que você devia fazer uma dissertação para o presidente da banca uma vez sorteado o ponto (os conteúdos eram dos três anos do ciclo clássico, divididos em vinte pontos). A explanação do aluno era ouvida sem interrupções, e a ela era atribuída uma nota até o máximo de seis; depois, cada um dos dois outros membros da banca fazia sobre o ponto duas perguntas, valendo um total de quatro pontos (um ponto cada), o que conduzia à nota máxima dez. Isto tudo era acompanhado pelo inspetor federal, que sorteava o ponto em uma roleta redonda como as de bingo. Com a base do Marista - ensino excelente -, muitas horas de latim (missa em latim etc) e a educação recebida no Andrews (totalmente voltadas para essas áreas, ambos com professores excelentes), fora o meu gosto pelos conteúdos, foi mole ser aprovado. Com essa aprovação e com (até hoje continuam) as greves seguidas das universidades públicas, optei por nem ir fazer as provas orais na Nacional de Direito, já aprovado na Cândido Mendes. No futebol (Confiança), depois de ter cumprido o estágio de um ano, como sempre com inspiração superior, disputei o campeonato do departamento autônomo, para o qual - após anos afastado - o clube se inscreveu, reformando o estádio na rua Siva Telles (que hoje não existe como estádio, pertencendo a uma escola de samba que lá faz seus ensaios de carnaval). Foi uma campanha excelente, pois nos sagramos vice-campeões da série urbana (eram três as séries: a urbana para times da zona sul, centro e bairros; a suburbana para times dos - claro - subúrbios; e a zona rural de Bangu para cima). Venceu a nossa série e classificou-se para o triangular final o time da Viação Paredense (empresa de ônibus, à época fortíssima no Rio), e o campeão geral foi o Campo Grande, até hoje no futebol do Rio, na segunda divisão. Jogos em turno e returno, no campo do adversário e no nosso, e foi muito gostoso esse envolvimento de disputa, de entrar em campo sob foguetório, de fãs, de vitórias suadas e gratificantes, de súmula, de juiz de federação (até com Armando Marques no apito joguei), de massagista, de banheira relaxante ao fim jogo... Enfim, à exceção da riqueza de agora, que nem os profissionais de então tinham, vivi a vida de jogador de futebol e de ídolo da comunidade local. Valeu. Madeira
segunda-feira, 14 de abril de 2008
vivencias-madeira-cronológica (1958/1959)
1958/1959: anos semelhantes, irmãos, mas em 58 nascia outra das pessoas a quem devo muito de minha vida atual. No fim de 58 (novembro, no interior) abria os olhos para uma nova encarnação Eugênia minha esposa, uma das encorajadoras para que eu escrevesse este blog (a cobradora maior sempre foi Taís, neta maior) e companheira ímpar. O Senhor definitivamente resolveu que eu tinha de progredir nesta vida e assim - depois de pais educadores (meu pai sempre me disse que ele era meu pai e não um amigo, e o foi sempre), um irmão exemplar, uma esposa guerreira, mãe e avó amantíssima, uma segunda mãe (não uma sogra) e pouquíssimos amigos (até a medula) que transformei em compadres - ainda achou que eu podia ter mais, autorizando a volta de minha esposa à base celestial e dando-me um presente na forma de uma nova companheira e esposa dedicada: Eugênia. De origem humilde, foi do interior de MG (em uma série de cidades) ao ES (em uma série de bairros) - além de uma passagem pelo Rio -, sempre lutando e vencendo dificuldades de todo tipo; filha impoluta, radicou-se em Vila Velha e aqui, já demonstrando o espírito iluminado que é, dedicou-se à educação, não a educação materialista para ganhar dinheiro, para agradar aos pais e aos alunos, mas para educar, ensinar, cobrar e preparar para a vida os jovens colocados no CEESC, Centro Educacional Elzira de Souza Caldeira, colégio de propriedade da sua mãe Elzira localizado no bairro de Jardim Colorado, Vila Velha, onde já casado acompanhei as atividades pedagógicas dela. Terapeuta, luta pela melhora da saúde psíquica de seus pacientes, desenvolvendo muitas dessas atividades gratuitamente (voluntária, como simples auxílio às pessoas que necessitam). Agradeço a Deus todas essas pessoas colocadas no meu caminho, pessoas que me auxiliam ou auxiliaram no crescimento pessoal, moral e espiritual, e neste momento pela presença continuada de Eugênia. Baixinha raçuda, amiga transparente, sei que muito a amo, e sei que mais ainda a admiro. Obrigado Senhor. Madeira
domingo, 13 de abril de 2008
vivencias-madeira-cronológica (1958/1959)
Lotações estacionados em uma rua no Castelo, centro do Rio de Janeiro, 1958
1958/1959: anos de novidades para mim - e boas. No Andrews continuei a nadar de braçada, pois saiu grego e entraram filosofia e psicologia, ficando mais mole participar das aulas, discutir os temas e fazer e apresentar os trabalhos, pois não havia cálculos e fórmulas a decorar, algo que não suporto; aliás, imposições em cima de mim não aceito, salvo aquelas ligadas ao respeito e à ética, e ainda assim com a minha concordância. Aulas que nada havia a preparar ou saber de cór - que alívio! O resto da vida correndo tranquilamente e no futebol várias novidades: com as minhas boas atuações no gol da Portuguesa veio a convocação, em janeiro de 58, para a seleção carioca de futebol juvenil que iria representar o Brasil no sul-americano da categoria, em Caracas, na Venezuela, meados de março/abril - e a devida negativa de meu pai em concordar que eu perdesse aulas para participar. Os goleiros convocados foram Miguel, do Vasco, Miltão do América e eu da Portuguesa, mas solicitei a desconvocação, tendo por justificativa a minha vida estudantil. Possivelmente eu seria cortado, pois só iriam dois goleiros e esses dois eram muito bons. O Miguel chegou ao titular do Vasco uns dois anos depois, mas não se firmou, até por conta de um lance bizarro, pois em um jogo no Maraca, ao tentar repor a bola em jogo com as mãos - depois de uma defesa - girou o corpo demais e a jogou para dentro do próprio gol. O Miltão, um negão alto e grande sumiu, assim como eu, por motivos que desconheço. Aliás, o campeonato de juvenis de 57 revelou vários grandes jogadores; lembrando alguns: da própria Portuguesa o nosso centro-avante, o Lua, chegou ao Santos; era um atacante impetuoso, canhoto, que chutava e cabeceava muito bem; Gerson, o canhotinha de ouro, disputou este ano pelo Canto do Rio, como ponta-esquerda (no ano seguinte foi para o Flamengo); Marcio, goleiro do Flu que chegou ao titular e depois foi barrado pelo irmâo mais novo um ano, o Claudio, um lourinho que à época era do infanto do Flu e chegou ao Santos e à seleção brasileira; Djalma Dias, um dos maiores zagueiros que vi jogar, depois Palmeiras e seleção brasileira; Jailson, Jorge e Antoninho, todos do América, a melhor equipe e que fracassou no final do campeonato; Germano (que era do Flamengo), ponta-esquerda irmão do Fio Maravilha, que se casou depois com uma condessa italiana; e outros de que agora não me lembro. Para completar o meu ano de ouro futebolístico, fui convidado a me juntar ao técnico Newton Annet, especialista em descobrir jogadores que só trabalhava em categorias de base e que estava indo pela primeira vez para um time grande (o Atlético Mineiro); eu e outras revelações. Meu pai, mais uma vez acertadamente, disse não. As décadas anteriores aos anos 80 (era Dunga, raça e força acima de tudo) privilegiavam a categoria do jogador, não se importando com coisas como força física. Com razão são chamadas de época do futebol-arte. Eram muitos os artistas da bola, que faziam esta correr e não eles, que a amaciavam e a chamavam de meu bem, dando passes de 40, 50 metros com exatidão (Didi, Gerson, Zizinho, Danilo Alvim, Carlinhos), e os goleiros não precisavam ter mais de metro e noventa, tendo na realidade de ter outras qualidades técnicas (sair certo do gol, saber sair jogando, ter coragem, saber fechar um ângulo); enfim, como é o certo no futebol, ter e jogar com inteligência, aproveitando-se de atalhos e momentos para chegar à vitòria, e isso eu fazia muito bem. Sem ser alto, não perdia dividida com as mãos nem com os pés; não errava saída do gol, comandava a defesa tendo a confiança dos beques (que me obedeciam), nunca dava chutões para a frente (saía jogando sempre) e usava, mesmo sem gostar de matemática, princípios desta, analisando nos treinos o ângulo do chutador das pontas e dos meios. Nos treinos eu demarcava um reta entre a paralela da baliza e a linha de meio do gol, colocando-me neste meio. Marcava ainda na linha da pequena área (ou na terra, nos campos carecas), com a trava da chuteira, esses ângulos - para mim reais e para os atacantes desconhecidos, de maneira a nunca perder o melhor fechamento da baliza. Ser burro, não analisando continuadamente os fatos e suas possibilidades de desdobramento, em qualquer trabalho significa a derrota. Bom, com a idade estourando no final do ano de 58 e sem a possibilidade e o interesse de ser profissional (então jogador de futebol ganhava mal, era mal visto e tinha a carreira abreviada por motivos vários, principalmente médicos/físicos), resolvi voltar para o Confiança, minha paixão e onde aprendi a disputar campeonatos usando chuteiras, em campos oficiais com juiz, súmula etc. Acertei tudo e fui, para minha surpresa (com dezessete para dezoito anos), içado diretamente para o gol titular do primeiro time. Depois de assinar, entrei em um estágio de um ano (1958 todo) e voltei ao Confiança. Madeira
sábado, 12 de abril de 2008
vivencias-madeira-cronológica (1957/5)
1957: um ano com novas imposições de viver para mim, que me levaram a um amadurecimento acelerado pelas responsabilidades que chegavam, e por ter extrapolado o mundo de colégio e rua em que vivia até então. Esses eram meus limites: colégio, rua José Higino, jogar no Confianaça, rua Silva Teles e a Atlética Carioca; enfim, um raio de ação de dois, três km do porto seguro que era a minha casa, com dinheiro apenas de mesada. Aí pintaram concentração, viagens intermunicipais e até interestaduais (e de ônibus, antes no Confiança eram de caminhão com bancos de madeira, o célebre pau-de-arara), dinheiro de ajuda de custo e bichos por vitória e empate, além de, entre aspas, fama... Depois dos jogos entrávamos no vestiário e encontrávamos os cobras fazendo aquecimento, e víamos a seguir o jogo dos profissionais. Assim vi bem de perto, em especial no Maraca, os craques do futebol carioca de então, desde Castilho até Didi, e sabíamos das histórias deles, desde os lances geniais às mazelas de bebida, mulheres, tentativas de suborno, os ganhos em cima dos patronos dos clubes, os macetes de pedir dinheiro extra para jogar. Foi sensacional e diferente, e com uma aprendizagem sociológica importante para o futuro, pois sempre observei o que ocorria ao meu redor e cotejava com os ensinamentos de meu pai e com o que eu queria da vida. Fora isto, irresponsavelmente (nunca me machuquei) jogava minhas peladas com a turma da rua, mas somente na época dos jogos intercolegiais. Jogava pelo Andrews, que era muito fraco no quesito esportes, ao contrário do São José. Cheguei a jogar vôlei pelo juvenil do América, convidado após um jogo ainda da época do São José, mas desisti logo. O namoro continuava com uma menina do Confiança, onde ia sempre que nosso jogo era no sábado e saudado como celebridade. No Andrews tudo corria às mil maravilhas, com oito disciplinas no primeiro ano e nenhuma das malditas; estudava Português, História, Geografia, Latim, Grego, Francês, Inglês e Espanhol, e deitava e rolava pela facilidade de entender e discutir essas áreas sócio-humanísticas. Em casa era tratado como um homem responsável, pois dava retorno aos meus pais tanto no estudo quanto no cumprimento dos horários e das obrigações complementares - quem quer que viva na dependência dos pais deve respeito, atendimento presto às determinações e não dar trabalho extra, pois minhas roupas pessoais eu lavava e passava, assim como arrumava meu quarto (varrendo e limpando) e engraxava meus sapatos. Sidônio, irmão querido e admirado, pois como meu pai sempre foi modelo e exemplo de honradez, seriedade, compromisso, respeito e honestidade em todos os momentos, já casado, quando morava no Rio eu o visitava sempre - para, como no relacionamento com o meu pai, aprender mais e mais. Religião? Definitivamente desgostoso com tudo que a Igreja Católica pregava através de seus padres, abandonei-a no tocante à freqüência, mantendo o respeito à simbologia aprendida, entrando nas igrejas quando passava em sua frente e fazendo minhas preces isoladamente, sem sentir a necessidade de ouvir missas, confessar e outras baboseiras impostas pelo medo do inferno, que analisadas mostravam-se simples formas de domínio. Meus contatos eram diretamente com Deus e Cristo (modelo para quem quer ser correto no viver) através de minhas orações, e principalmente da busca da correção no viver diário. Isto meu pai ensinou-me sempre, lembrando que se uma pessoa é correta em todos os seus comportamentos não tem como estar pecando por não cumprir a liturgia imposta pela Igreja Católica. Os seis anos de Marista (que muito me acrescentaram em conhecimentos e comportamentos de educação e erudição) não conseguiram me transformar em um cordeirinho, em um dócil seguidor de um homem infalível (o Papa) - isso é brincadeira com a minha inteligência. Madeira
sexta-feira, 11 de abril de 2008
vivencias-madeira-cronologica (1957/4)
Carnaval de rua na Guanabara - foliões na Avenida Rio Branco - 1957
1957: o campeonato carioca deste ano deu-me um forte embasamento para conhecer muito de futebol, de gente e de compromissos. Com dezessete anos eu já tinha responsabilidade de horários rigorosos para estudar, me divertir, namorar e um compromisso assinado de defender a bandeira de um clube, cumprindo determinações e horários e me esforçando para seguir as orientações de um técnico (tinha tudo isso no Confiança, mas limitado a um bairro), e agora com uma exposição muito nova e grandiosa. Por muitas semanas era exposto e comentado publicamente pelos colegas de colégio e do bairro, pelas atuações vistas ao vivo pela TV, nos jogos contra times de ponta: Fluminense, Flamengo, Vasco, Botafogo, América e Bangu. Nosso treinador era um ex-lateral direito do Bangu, o Mendonça, com a carreira abreviada ao quebrar a perna direita em um clássico no Maraca contra o Botafogo, e era bem bronco, mas boleiro. Ele mesmo me treinava e, nos dias de individual, ficava o tempo todo comigo e usava um sistema interessante, que eu nunca havia visto e acho que não existe atualmente: antes de treinar no gol o de sempre (saídas em cruzamentos, chutes de todos os lados, faltas e penaltis, rasteiros e altos), ele batia bola comigo em um canto do campo, primeiro com uma bola de borracha que quicava muito e era difícil de agarrar, e depois com uma bola medicinal, daquelas pesadíssimas, e me matava com isso. Pelo nível de instrução acabei, como em todos os times nos quais joguei, sendo o homem de confiança dele, que me batizou de Russo por eu ser louro e ele não conseguir falar Theotônio. Não fui capitão do time por ele achar que eu ficava longe do jogo, já que estava no gol. Tínhamos um bom time que não deu vexame, ganhando praticamente de todos os pequenos e fazendo jogo duro com os grandes, com derrotas apertadas e uma vitória marcante contra o América, considerado o melhor time juvenil do ano, por 4x3, na inauguração do nosso estádio em Kosmos. Acabamos o campeonato no sétimo lugar, o que equivaleu a ser o melhor dos pequenos. O mais difícil na concentração em Kosmos era ter de dividir a carne do almoço com o imenso e feroz cachorro do dono da pensão onde almoçávamos aos sábados e domingos. O bicho não tinha uma cara boa e era uma fera, sempre rondando - e se não déssemos carne a ele provavelmente seríamos atacados. A hora do almoço era a hora de terror. Os treinos coletivos eram contra os titulares, e acho que foi um dos ingredientes para fazermos uma boa campanha. O profissional tinha jogadores de renome: Barbosa (ex-goleiro da seleção brasileira de 1950, com mais de quarenta anos, em um fim de carreira triste), ainda excelente goleiro, homem simples e de caráter, muito calado, mas um exemplo; seu reserva de então foi dos maiores goleiros que vi, o Antoninho, vindo do Flamengo e que não se firmou porque era um tremendo viadaço, amigado com o central, o Juvaldo, um negão de meter medo, canhoto e muito forte, que acabou indo para o Santos; o quarto zagueiro acabou no Vasco e foi um dos melhores que vi jogar, o Russo, magrinho e com um senso de antecipação e uma elasticidade incríveis; o meia armador, o Borges, foi para o Botafogo, onde jogou e brilhou por muito tempo. Era, enfim, um bom time profissional. Neste ano ocorreu uma das maiores tragédias da história do Flu: depois de um campeonato de profissionais excelente, cruzou na final com o Botafogo, que tinha, é verdade, um timaço, mas o Flu tinha uma defesa excelente - a melhor do Rio - e não havia tomado mais de um gol em nenhum jogo. Nesse dia o centro-avante do Bota, o Paulinho Valentim, trombador e artilheiro, meteu cinco gols no Castilho - um dos melhores goleiros de todos os tempos da história do futebol -, e de todos os jeitos, desde de cabeça da linha da grande área até de bicicleta, e sem que o Castilho ou o marcador dele - o Pinheiro, um central de grande porte físico, ágil e excelente jogador - tivessem culpa. Resultado final: Bota 6x2 e campeão carioca. Madeira
quinta-feira, 10 de abril de 2008
vivencias-madeira-cronologica (1957/3)
Vista da Lagoa, Jóckey Club e Gávea, do alto do Corcovado - anos 50
1957: o campeonato carioca de futebol juvenil começava com o Torneio Início, mais ou menos em maio, pois não existia o campeonato brasileiro e o ano partia do torneio de profissionais Rio X São Paulo, logo após o Carnaval; findo este torneio, mais ou menos em fins de abril, começavam os campeonatos do Rio e de SP, que tinham um intervalo de cerca de um mês (julho/agosto) para as excursões dos times, prosseguindo depois até o final do ano. Os grandes iam para a Europa, sempre grandes mercados (lá época de verão e entre as temporadas, como até hoje), e os pequenos excursionavam pelo interior do Brasil (principalmente do estado do Rio e de Minas Gerais) e pelo nordeste. A Tv em preto e branco era regional e só gerava alguns programas, estes restritos ao eixo Rio-SP, com a maioria da programação de filmes ou novelas; entravam no ar durante a semana ao meio-dia ou às duas horas, acabando às vinte e duas ou vinte e três, sendo que os outros estados limitavam-se a receber, no dia seguinte, os tapes em grandes rolos de fitas. Eram as excursões que davam dinheiro e disseminavam o nosso futebol (e o carioca era o mais conhecido e importante, face ao Maracanã e a ser a capital da república, a Cidade Maravilhosa famosa pelo Carnaval, com a sua Copacabana e os craques da Copa de 50). O Torneio Início era elaborado com a tabela dirigida (todos os campeonatos eram desta forma, o que significava que os melhores se enfrentavam sempre mais ao final, ajustando assim seus times e conhecendo-se melhor), servindo como a apresentação dos times formados para aquele ano. Eram jogos de dois tempos de dez minutos, e em caso de empate a classificação se dava pelo saldo de escanteios a favor, ou seja, quem tivesse mais escanteios - sinal de que havia atacado mais - estava classificado. O empate também nesse quesito levava à disputa por penaltis: eram três, todos cobrados pelo mesmo cobrador. Tudo sensacional, começando às dez ou onze horas e indo até o anoitecer, com muitas emoções e o Maracanã cheio. Bem, dei muita sorte porque a novíssima Tv Rio (antes, no Rio, o domínio era da TV Tupi) queria e conseguiu dominar a programação de esportes, e resolveu transmitir ao vivo, aos domingos, abrindo a sua programação, os jogos do campeonato de juvenis jogados nas preliminares dos profissionais (outra sorte que dei, pois os aspirantes neste ano jogavam às quartas-feiras, às tardes, e os juvenis é que treinavam com os profissionais e faziam as preliminares), e assim um locutor novato foi escalado para transmitir essas partidas que buscavam chamar a atenção, na hora do almoço, para os futuros craques e para a paixão nacional, o futebol: o Léo Batista, que estreou justamente transmitindo lances da abertura do Torneio Inicio Juvenil de 1957 e todos os jogos realizados no Maraca. Neste torneio fomos eliminados por outro time pequeno, o Bonsucesso, e partimos para o campeonato em turno e returno, tabela e campeonato impressos e distribuídos antes de seu início, um jogo em casa e outro na casa do adversário, e os jogos contra os grandes sempre no Maracanã. Enquanto treinávamos o individual às quartas e os coletivos às sextas-feiras, com a concentração aos sábados pela manhã e amistosos pelo interior do Rio, a Portuguesa alugou o campo do Kosmos F.C. (no subúrbio do mesmo nome, zona rural do Rio, uma estação da Central entre Bangu e Campo Grande) e lá fez a reforma necessária - no que seria a nossa casa e onde mandaríamos nossos jogos contra os times pequenos. Madeira
quarta-feira, 9 de abril de 2008
vivencias-madeira-cronológica (1957/2)
1957: este ano representou também uma mudança na minha carreira futebolística, meu grande vício em termos de esporte. Fui convidado a transferir-me do Confiança, onde estava estourando a idade de infanto-juvenil (não havia essas categorias de fraldinha, mirim, infantil, sub-isso, sub-aquilo, escolinha; futebol de chuteira era apenas o infanto-juvenil, dos 15 aos 18 anos incompletos; juvenil, dos 18 aos 21, maioridade; depois era se profissionalizar ou ficar em times amadores; futebol se aprendia no meio da rua ou nos colégios), para a Portuguesa do Rio, clube da colônia lusitana, fruto das atuações que me levaram à seleção dos melhores do campeonato infanto de 1956. Na Associação Atlética Portuguesa, com sede social no centro do Rio (rua Barão de São Félix), sem campo e que treinava no Nova América, time de uma fábrica de tecidos de Del Castilho, subúrbio carioca, fui inscrito em janeiro na federação metropolitana de futebol, a FMF, e tive de cumprir um estágio de três meses, ou seja, só podia treinar e nem amistosos jogar; este era um ítem da legislação existente, feito sob medida para dificultar as mudanças seguidas de clubes de jogadores amadores ou menores. Foi necessária a autorização de meu pai para que eu assinasse o compromisso, o que consegui após uma célebre frase dele: "Ó Theo, futebol não dá camisa a ninguém, tem é de estudar" - e na época não dava mesmo. Futebol era coisa de semi ou todo analfabeto, de quem não tinha estudo, com raras exceções (Pedro Amorim, ponta-direita do Fluzão e em 1946 super-campeão, era médico). Os dirigentes eram torcedores fanáticos, mas não ladrões como os de hoje; os jogadores que iniciavam a carreira em um clube, principalmente nos grandes, só jogavam nele e amavam mesmo a camisa, não a beijando a cada contrato novo - ganhavam mal e quando precisavam de algum dinheiro extra, para casar ou - os solteiros - para uma farra maior, pediam-no a algum sócio-benemérito ou a um diretor abonado. Eram tratados como filhos mimados, e quando faziam partidas excepcionais recebiam gratificações extras (nunca do clube, mas de pessoas ligadas a ele, o que veio depois a se tornar oficialmente a gratificação por vitória, o chamado bicho). Os mais vivos e oriundos da classe baixa aproveitavam-se dessa paixão e, às vésperas de jogos importantes (clássicos ou decisões de campeonato), ficavam doentes ou diziam-se sem condições de jogar por conta de um problema financeiro grave em casa, e aí arrancavam um dinheirinho a mais antes do jogo; logicamente, pediam mais um pouco em caso de vitória. Em todo caso, prefiro o futebol que conheci, sem essa mídia vagabunda que leva dinheiro de técnicos e jogadores, sem empresários, sem clubes deficitários, sem propaganda em camisas (descaracterizando-as), sem contratos milionários que se tornam impagáveis, sem manobras de bastidores; enfim, ainda jogado sob a égide do compromisso, onde um fio de bigode valia tanto quanto a assinatura de um papel, e foi esta a forma em que fui educado. Então também não se valorava o jogador pelo porte atlético, pela força física, pelo tamanho, e sim pelo trato com a bola (temos hoje tanto time e jogador de futebol porque este é mais atleta que futebolista). Não existia comissão técnica nem treinador de goleiro (depois deste o goleiro começou a escolher um canto na batida de penalty, e alguns já estão escolhendo na batida de faltas), consistindo a cabeça de um time de treinador - escolhia, treinava e escalava o time, orientando durante o jogo o comportamento dos jogadores e dando ele mesmo os treinamentos físicos, chamados então de individual e compostos de aquecimento, corridas, alongamento e bola, muita bola, ou seja, coletivo este parado a todo momento para a correção de posicionamento, para as cobranças de falta e outros fundamentos -, massagista e roupeiro. O médico, sempre um traumatologista, só aparecia na revisão médica das terças ou quintas, quando de jogo na quarta. Nada de comissão técnica de mais integrantes que jogadores e de doutores em tudo, e ainda assim nenhum jogador ficava mais que uns poucos dias parado por contusão. As faltas eram poucas e recriminadas pelo treinador, só podendo dar porrada os laterais, e isto quando os pontas eram muito ariscos (que saudade dos pontas!) - levavam uma no canto da bandeirinha de córner para respeitar o adversário, mas sem alarde. Efetivamente era outro futebol, recheado de artistas da bola e com a picaretagem restrita a alguns jogadores do folclore carioca. Vi e acompanhei isso tudo durante este ano. Madeira
terça-feira, 8 de abril de 2008
vivencias-madeira-cronológica (1957/1)
Praia de Botafogo
1957: iniciei neste ano um novo ciclo de estudos, o do curso clássico, com maiores responsabilidades, tais como a preparação para o vestibular (com a escolha da carreira), menos molecagens e mais seriedade; enfim, como se dizia à época, estava ficando um homenzinho. Ao final de 1956 e do primeiro ano científico, lá estava eu literalmente fodido, em segunda época nas cas da vida: físi-ca, quími-ca e matamáti-ca. Bom, o jeito foi falar claramente com o meu pai e explicar a ojeriza a essas disciplinas, pedindo desculpas e apontando como solução fazer o curso clássico, que não possuía essas áreas e preparava para o vestibular no campo das humanas. Meu pai, que tinha muito orgulho de já ter feito um filho militar (Sidônio), ele, um simples e semi-analfabeto padeiro (como dizia ser), aspirava fazer do outro um diplomata, e depois dessa conversa vislumbrou esse caminho para mim, pois só podia fazer o curso do Itamarati quem já tivesse um curso superior, e eu desejava fazer direito, o que encaixava bem no curso clássico. Na época existiam, uma vez feito o ginásio (agora chamam de fundamental), três hipóteses de continuidade para os estudos: o científico, para as áreas de exatas e biomédicas; o clássico, para as áreas de humanas; e os técnicos, então para a formação de contabilistas, administradores e secretários, que hoje equivaleriam ao ensino médio. Conforme era do estilo do seu Dias, meu querido pai, que sempre disse (e cumpriu) que para o meu estudo, minha alimentação e minha vestimenta nunca nada faltaria, fui mandado em busca do melhor colégio com o tal do clássico, e que eu lá providenciasse a minha matrícula. Na Tijuca apenas o Instituto Lafayette, na rua Haddock Lobo, em frente à Igreja dos Capuchinhos de São Sebastião tinha o curso que eu procurava, mas esse era rival do Marista e fatalmente eu teria problemas lá, e assim catei no centro e na zona sul; fui então encontrar os dois cursos clássicos mais afamados do Rio: Colégio Andrews e Colégio Anglo-Americano, o primeiro de família tradicional de educadores, os Flexa Ribeiro, e o Anglo de origem saxônica, claro. Interessante que a rivalidade era tão grande no nível do ensino que o Andrews se notabilizava pela instrução da língua francesa, e o Anglo da língua inglesa. Bom, ao conversar com meu pai, por ser mais caro (pra ele tal era sinônimo de melhor) e por ter eu me apaixonado pelo pequeno e lindo prédio da praia de Botafogo, além de sempre ter preferido estudar francês, foi escolhido o Andrews, e assim peguei minha transferência no Externato São José, nem fazendo as segundas épocas; matriculei-me no Andrews, depois de ter feito uns testes e uma entrevista. Novo ciclo. Acordar às cinco e quinze da manhã, descer à padaria e entrar pelos fundos, pegar pães quentinhos, fazer o meu café, passar e vestir o meu uniforme (a partir dos quinze anos, lavava/passava minhas roupas e arrumava meu quarto, talvez por causa do futebol; minha mãe, quando comecei a jogar, disse-me que não lavaria aquelas roupas imundas e não constantes das obrigações maternas, e quem tem vergonha na cara não escuta duas vezes a mesma chamada) e tomar o ônibus Horto, que tinha o ponto final na pracinha Aguiar, ao lado do Colégio Batista, no fim da José Higino, este no número 415, que saía às cinco e cinqüenta pontualmente e chegava em Botafogo, no ponto ao lado do colégio, às seis e quarenta e cinco, com a margem de quinze minutos para o início das aulas. O retorno, também cronometrado e com o fim das aulas ao meio-dia, era no ônibus de meio-dia e quinze, e eu chegava ao ponto final por volta da uma hora, a tempo de encontar a turma na carrocinha de Kibon do Arnaldo. Dessas viagens de quase uma hora veio a minha paixão pela leitura, pois eu ia estudando para alguma prova ou lendo revistas, jornais e livros, chegando ao cúmulo de ler o dicionário de língua portuguesa duas vezes em três anos de idas e vindas... Madeira
Sorveteiro em frente à sede do Ministério da Educacão - anos 50
segunda-feira, 7 de abril de 2008
vivencias-madeira-cronologica (1956/4)
1956: além das brincadeiras, passeios e jogos, a turma tinha também as suas safadezas; ao relatá-las não identificarei os autores, por terem sido aventuras de adolescentes, todos porraloucas e que hoje, coroas, podem ter seus familiares desgostando de algo. Algumas delas, pois: na José Higino havia uma grande casa de cômodos (eram chamadas assim casas senhoriais, imensas, que alugavam quartos sem banheiros - estes eram coletivos, ao fim dos grandes corredores), onde nessa época moravam duas irmãs, e por coincidência as duas com defeitos físicos: uma andava de cadeira de rodas, de um tipo que creio não existir mais (era de duas rodas atrás, onde ficava o assento, e uma à frente com o guidão, como o de uma bicicleta, e neste ficava acoplada uma carretilha movimentada pelas mãos, que levava a força motriz às rodas traseiras, movimentando a cadeira), e a outra irmã, magrinha, tinha uma perna mais curta que a outra, bem sequinha aquela. Bom, a turma descobriu que elas quebravam o galho da vizinhança, desapertando as necessidades sexuais de quem as procurasse... Foi o suficiente pra fazermos fila, e havia até controle de entrada e saída. Como deu um congestionamento de adolescentes, o jeito era levar a cadeirante para um terreno escuro dentro da área da casa, aos fundos, e a pernetinha para trás da fábrica da Brahma, onde passava o rio Maracanã e então não transitavam carros; era um caminho apenas para passar a pé, paralelo à rua Antonio Basílio, e escuro. Bem, a cadeirante trabalhava sentada no manuseio do pinto jovem, enquanto a outra era encaçapada pelo pessoal, com o detalhe de um sacana da turma ter inventado a melhora do ato, que consistia (não é piada) em colocar um tijolo debaixo da perninha seca e, depois da introdução, empurrá-lo com o pé, levando-a a ficar se mexendo, à procura do apoio do pé retirado. Existiam as idas coletivas à zona do Mangue, onde quem tinha dinheiro escolhia (e, por vergonha ou sei lá o quê, cada um tinha a sua prostituta e só ia com ela) e os outros ficavam de porta em porta só olhando. Certa feita descobriu-se que um colega estava comendo a empregada da casa dele assim que os pais saíam pro trabalho, e ocorreu a chantagem: ou todos iriam lá e a comeriam ou ele seria dedurado aos velhos. Daí todos, em um revezamento organizado (que incluía a vigilância, inclusive com postos avançados, na possibilidade da mãe dele voltar cedo), passaram a comer a Maria (nome da empregada, uma nordestina jovem de grandes coxas e seios), até que um idiota fez a merda... Esta foi que ele descobriu (nesses lances procurava-se não envolver todo mundo, ficando restrito a poucos, mas algo sempre vazava e os participantes aumentavam) o que acontecia e quis participar, mas o sujeito era um animal em todos os sentidos e, não conseguindo (por afobamento e/ou falta de prática - as libações eram no sofá da sala conjugada, de visita e jantar) concretizar a transa, pegou a mantegueira na mesa ainda posta do café, enfiou o instrumento na mesma e o lambuzou para facilitar a penetração, nada falando com os demais. O resultado foi que a mãe do colega, à noite, sabatinou-o com dureza sobre o desenho encontrado na manteiga. Com o seu medo, nada mais aconteceu por lá. Eu, por minha vez, fiquei parte de uma tarde escondido atrás de um armário (naquele tempo os armários, não sei por qual razão, eram arrumados nos cantos, em quina, com um bom espaço até a parede - talvez já para os amantes se esconderem?)... Eu namorava e sarrava uma garota, e às tardes passava por lá, assobiava e ela aparecia à janela; se sozinha (morava com os tios), mandava-me subir. Era um apto no segundo andar, sem elevador, então ela abria a porta e eu me acabava. Até um dia em que eu e ela na cama ouvimos o barulho da chave abrindo a porta, e ainda bem que eu estava apenas sem camisa; voei para trás do armário, esgueirando-me - e até hoje não sei como passei por ali, por um espaço tão pequeno. Algum tempo depois o fdp do tio dela foi embora e, pelo meu cagaço, acabei com essas visitas vespertinas. Madeira
domingo, 6 de abril de 2008
vivencias-madeira-cronologica (1956/3)
1956: a turma da José Higino, composta por adolescentes moradores da mesma ou de ruas próximas como a Antonio Basílio, a Conde de Bonfim e a Dona Delfina, reunia-se diariamente (nas férias, de manhã, de tarde e de noite; no período de aulas - o que era incrível, pois dificilmente estudavam na mesma escola - na hora pré-almoço); íamos chegando e ficando de papo, encostados em uma carrocinha da Kibon que tinha ponto na esquina da Conde de Bonfim com a José Higino, pilotada por um vendedor muito simpático e amigo chamado Arnaldo, até a chegada do último, ocasião em que combinávamos a hora do encontro da tarde e o programa, se bola, se cinema, se só papo mesmo, se Maracanã à noite, tudo dependendo do dinheiro existente e da hora em que todos estivessem liberados dos estudos, dos famosos deveres de casa. Vou tentar enumerar o máximo de caras dessa turma, obviamente esquecendo alguns por pouco conviverem conosco (ou por pura falta de memória). Na ordem das residências mais próximas da minha: Nelson (depois meu compadre, padrinho da minha filha Flávia), Sérgio Gomes (o Sérgio da Sorte), Gustavo Cicconi (também estudava no São José), Inácio, Zé Carlos (Alicate), Raul, Zé Heitor, os irmãos Luiz Carlos (Cacau) e Vitor, os também irmãos Osvaldo e Paulo Roberto (Bebê), o Luiz Carlos (Melequinha da Primavera), Antonio Carlos (alegria da galera, bichona, onde a turma se desapertava), os outros irmãos Tony e Carlos Roberto (Santos), Damião (Português), Sergio Eiras (Tomate), Paulo Roberto (Bacalhau), os igualmente irmãos Edmar e Alcides (Sidoca), Piquet Carneiro (depois ministro de Estado, que não andava com a gente: já era esnobe), outra dupla de irmãos, o Marcelo e o Murilo Wernech (ídem), Abelardo, Jacques Haiat (Jacó), Jacozinho e Hertz; outros podem ter sido esquecidos, mas estes eram os mais freqüentes nos nossos passeios e brincadeiras. As gírias mais comuns eram: dar uma trepada com a Berkel (pesar-se, pois as balanças eram da marca Berkel); visitar a Celite Boca Larga (ir ao vaso, pois a marca do vaso era Celite); estar resfriado por baixo (estar com gonorréia, pois escorria pus do pinto); duca (do caralho, para significar algo sensacional); paca (para caralho, para significar algo grandioso); culhonal (sensacional, fora de série); fominha (quem não passava a bola na pelada e queria driblar todo mundo); chupa-sangue (quem não corria na pelada); uma uva (menina linda); bagulho (menina feia); pelada ou racha (futebol sem juiz, que sempre tinha os minutos finais sem se poder tocar na bola, só nos jogadores do outro time, mas sem buscar machucar, tipo o futebol americano). Para completar (também no colégio tinha), havia a banda da rua. Era uma sacanagem que consistia (faz pouco tempo passou em uma peça teatral, Aqueles homens baixos, ou algo assim) em sairmos (dependendo do número, em fila de dois ou em coluna de um) com o maestro à frente e cada um dos componentes imitando um instrumento musical, e o resto, ao fim, fazendo o refrão. Mais ou menos assim: um imitava o bumbo, gritando BUNDA!, BUNDA!, intervalando com o do triângulo, que gritava CARALHIM!, CARALHIM!, e os demais imitavam outros instrumentos, com o coro cantando, ou melhor, gritando: Cu da mãe tem dente, morde o pau da gente!... Madeira
sábado, 5 de abril de 2008
vivencias-madeira-cronologica (1956/2)
1956: as festas de quinze anos em que íamos foram marcantes. Aconteciam em clubes na Tijuca, basicamente no Tijuca Tênis Clube ou no Montanha, e às vezes, quando de portugueses, no Centro Trasmontano - ou nos casarões de dois andares das famílias abastadas. Nestas festas, em que era obrigatório ir de terno, além de salgadinhos de qualidade e bebidas diferentes (whisky, campari, vinho e a famosa cuba-libre), havia música ao vivo com cantor. A massa da freqüência era de jovens e, como todos se conheciam nos bairros e os convidados eram quase sempre os mesmos, as famílias deixavam vazar as datas com muita antecedência para evitar a superposição de eventos. Começavam às onze horas e iam até as quatro, cinco horas da manhã. Dos conjuntos que tocavam, os mais famosos, e que na realidade eram pequenas orquestras, eram os dos maestros Waldir Calmon, Erlon Chaves e de Ruy Rey, o rei do mambo, ritmo que fazia sucesso então e que era muito tocado junto com o bolero, o fox, o samba-canção e, também surgindo no Rio, o baião. Por vezes tudo terminava em carnaval. No auge da festa (em algumas que começavam às dez horas para o permitir) ocorria a valsa dos quinze anos, em que entravam quinze damas (adolescentes dessa idade) vestidas iguais, normalmente de rosa, e depois com o seu pai entrava a aniversariante, que com aquele dançava de início uma valsa (quase sempre Strauss), trocando depois de par e dançando com o avô, o padrinho de batismo e algum homem mais especial para a família. Os crooners dos conjuntos que vi (e dos quais me lembro) eram Silvio César, Miltinho, Wilson Simonal e Eliana Pittman. A notícia dos bailes de debutantes no bairro corriam céleres, e sempre se descolava um convite. Quem da turma recebia um convite pedia mais quantos fossem possíveis e os distribuía, e quem nada conseguisse tentaria entrar como penetra. A penetragem era uma arte, e a praticavam os caras de pau da turma. Consistia em quem (sempre os mesmos) tinha convite entrar normalmente, dando um jeito de não entregá-lo, ou de surrupiá-lo ou ainda de enrolar o porteiro com uma boa conversa (uma irmã que tinha perdido o seu estava chorando, e assim por diante). O Rio de Janeiro era de amizade, paz e amor, além de todos se conhecerm e de haver respeito. O comportamento era impecável, mas as gafes muitas; por exemplo: reclamar de algo da festa (demora em passar um garçom...) e estar falando com o dono da casa, roupas iguais, ficar bêbado e ser posto para fora (o que era terrível, pois representava não conseguir convite para outras festas até ser esquecido o fato) etc. No dia seguinte, na turma, o papo era só sobre a festa. E o fim desta era sensacional. Além da demora no local, buscando aproveitar tudo até o fim, sempre bebendo e comendo mais um pouco, a volta para casa era a pé, às vezes longe mesmo, ou de espera pelo início da circulação dos bondes. Tinha de se carregar os bebuns - sempre missão minha, pois eu não bebia - e íamos cantando pelas ruas, sendo o terror dos guardas noturnos (corporação particular fardada e desarmada, paga pelos moradores das ruas para assegurar o silêncio, e não atuar contra a violência, praticamente inexistente então), que nos conheciam e nos acompanhavam pedindo que não fizéssemos esporro. Para completar, trocávamos os pães e o leite que os entregadores colocavam nas portas das residências, ou alguns mais saídos bebiam o leite ou pegavam um pão. Ou seja, às noites de sábado eram o terror dos moradores. Não fui a muitas dessas festas e repassava meus convites, já que eu estava muito envolvido com esportes, em especial o futebol, e normalmente tinha de jogar na manhã de domingo. Só ia quando não havia jogo ou nos meses de recesso, partes de dezembro, janeiro e fevereiro, até o carnaval. Com isso, não aprendi a beber e a fumar. Madeira
Bailão no Tijuca Tênis Clube!
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